E A LUZ SE FEZ TREVAS
- Existia naquelas bandas de lá um contador de histórias que se tornou célebre por contar acontecimentos, mesmos esdrúxulos, que ninguém que ouvia ousava duvidar. Ele falava com uma voz firme, confiante, misturada com gestos que pareciam desenhar no ar os personagens que faziam parte dos seus casos. As pessoas se agrupavam ao seu redor em um silêncio ensurdecedor. De vez em quando ouviam sussurros de espanto e admiração no meio do conto e pedidos de mais um no final de cada história. Em uma dessas tardes de outono, céu nublado, um vento que não era tão forte mas fazia um pouco de barulho ao espantar as folhas secas caídas no chão, parei para ouvi-lo e nunca mais esqueci dessa história. Uma história que falava de demônios e deuses. Parecia que ele falava de todos os demônios e de todos os deuses de todos os tempos e até dos que ainda iriam existir. E ele, o célebre contador de histórias, assim resumiu:
“Era o início de tudo, de tudo que é visível e de tudo que ainda está invisível. Era o início de todas as coisas; das cores, dos sons, da luz e do escuro. Imaginem vocês, o escuro também foi criado, e foi criado antes da luz. O escuro foi a primeira coisa a ser criada, foi o inicio de tudo, foi o percursor de todas as formas palpáveis e também daquelas formas que não vimos, mas sentimos. O escuro não causava medo, não era repugnante, nem tão pouco do mal. O escuro era o espaço livre da imaginação, era a tela onde o pintor poderia traçar as suas linhas, era o barro onde o escultor poderia moldar a sua figura. O escuro era todo o universo onde estrelas poderiam brilhar. E assim foi feito... Boa parte deste escuro foi preenchido com milhares de seres e estes seres por si só foram criando outros e outros e outros e a luz.
Que maravilha!
Sentimentos surgiram a partir da luz e a partir da luz sentimentos surgiram. A beleza foi decretada. O mal foi criado. E sem delongas uma lei foi estipulada: a Lei do Universo. Surgiram então duas forças, as forças primárias oriundas do escuro e as forças recém-criadas vindas da luz. Esta segunda força teve o nome de Deus, que passou a combater a força primária que foi intitulada de Demônio (apenas denominações). A guerra se fez, não porque o escuro com seus demônios eram maus, pois este termo não existia até então, mas pelo simples fato de que o antagonismo surgiu. As trevas eram do mal e a luz era do bem. Os demônios eram do mal, os deuses eram do bem. E através desta ‘constatação’ escreveram livros, fizeram filmes e contaram historinhas para as crianças dormirem com medo e mais cedo.
Para terminar este pequeno, mas infinito conto, deixo um recado para vocês: A luz deixará de ter importância se as trevas deixarem de existir. O bem deixará de ser almejado por todos, ou quase todos, se as sombras do mal deixarem de rondar os nossos dias e noites. Valorize o deus que existe em você, mas não se esqueça de que os demônios também são necessários para que continue havendo um equilíbrio em tudo que existe.”
- Assim contou mais uma história o célebre contador.