Conto das terças-feiras - Histórias de velórios

Gilberto Carvalho Pereira, Fortaleza, CE,14 de novembro de 2017

Atualmente somente nas grandes cidades brasileiras é que se realizam velórios em ambientes apropriados, isto é, funerárias, ou nos chamados velatórios. Empresas que trabalham diretamente com questões ligadas à morte. As primeiras englobam um tipo de serviço que vai da venda de caixões, transporte em carro fúnebre até o cemitério, à realização do velório propriamente dito, com assistência religiosa. A exposição do morto é costume originário da idade média, maneira de se verificar a certeza da morte do velado.

Em pequenas cidades do interior e em bairros periféricos, mesmo de cidades grandes, este evento fúnebre ainda acontece na própria casa do defunto, com os familiares e amigos sendo responsáveis por toda a logística que envolve o momento último, dedicado a honrar a memória do morto.

Em velórios, acontecimentos inusitados podem ocorrer e é este o meu propósito aqui, contar histórias sobre velórios.

Sempre fui arredio em ver defunto acomodado em seu caixão. Certa vez, saindo da casa de minha namorada, ao descer uma ladeira relativamente suave, deparei-me com um velório e o caixão do defunto exposto de frente para a porta de entrada da casa. Tomei um susto tremendo. Dei meia-volta, sem olhar para trás, passei em frente à porta da casa de minha namorada, já com as portas fechadas, graças a Deus não passei vergonha, e tomei o rumo de outra ladeira, ainda mais inclinada que a anterior.

Ao descer, minhas pernas tremiam e meu coração batia forte. Passei quase duas semanas evitando subir pela rua da realização do velório.

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Outro episódio aconteceu com a minha esposa, que era Secretária Executiva da Diretoria de uma empresa do Governo Federal, em Belém do Pará. Certo dia o office-boy que trabalhava com ela faltou ao serviço, deixando-a de “mãos amarradas”. No dia seguinte ele apareceu e foi interrogado pela Secretária:

— Menino, por que você faltou ontem?

— Chefa, eu passei a noite toda “fazendo quarto”, respondeu ele.

Não acreditando no que acabara de ouvir, ela argumentou:

— Por que você não deixou para fazer esse quarto amanhã, que é sábado. Assim você não precisaria trabalhar a noite toda.

— Mas chefa, o defunto não podia esperar, respondeu o office-boy já prevendo um mal-entendido.

— Não me enrola menino, que diabo de defunto é esse? Por que ele não poderia esperar?

— Chefa, fazer quarto é guardar o defunto. É fazer vigília do corpo do defunto. Ele morreu na quarta-feira à noite e o enterro foi na quinta. Por isso que não vim trabalhar ontem.

— Na Bahia, isso se chama velório, disse a Secretária. Os dois caíram na risada, foi preciso que alguém aparecesse à porta para acabar com aquela confusão.

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Quando adolescente, e tendo ocorrido uma morte em uma casa em frente à nossa, por ocasião do velório ficamos conversando na calçada por longo tempo. Era o primeiro velório acontecido em nossa rua. A conversa girava em torno de assombração. Cada um contava o seu caso.

Quando chegou a minha vez preparei-me para contar o meu caso. Não era propriamente um caso, mas sim, uma piada. Aproximei-me de uma prima que estava sentada em uma pequena cadeira de balanço e iniciei minha dramatização.

— Um fulano que estava perdido na noite, em uma estrada deserta, percebeu a vinda de um carro. Ele pediu carona, no que foi atendido. Ao entrar no carro percebeu ao volante uma bela mulher, bem vestida e cheia de joias. A ganância subiu-lhe à cabeça e ele matou a mulher para roubar-lhe as joias. Cortou-lhe dois dedos para retirar a aliança e dois anéis.

Cada frase que eu dizia procurava fazer suspense e deixar, entre os espectadores daquela noite, um ambiente fantasmagórico. E continuei relatando minha história.

— Para não ser apanhado, o fulano empurrou o carro da jovem morta numa ribanceira, em seguida caminhou em direção à cidade, que, conforme dissera a moça ao volante, estava apenas a 10 km adiante.

— Não tinha andado nem quinhentos metros, o homem percebeu a vinda de outro carro. Sem escrúpulo pediu carona novamente. O carro parou, ele entrou e a motorista deu partida. Ao perceber que quem estava ao volante era uma jovem muito parecida com a moça que lhe dera carona anteriormente, o homem se arrepiou e o medo o fez ficar cauteloso. Ele procurou a mão esquerda dela e verificou a falta dos dedos.

Neste momento cheguei mais perto de minha prima, ela seria o alvo de minha brincadeira. Parei de falar e mostrei o meu braço, dizendo que estava arrepiado e que iria parar por ali. Todos reprovaram minha decisão. Então, olhando para um lado e para o outro, como se eu estivesse com medo, prossegui.

— O fulano, para se convencer que aquela mulher não era a morta que ele havia deixado para trás, perguntou:

— Quem fez isso com os seus dedos?

A essa altura, todos estavam concentrados na minha pessoa, queriam saber se a mulher era realmente uma alma. Fiz suspense e, com excessiva rudeza, apontei o dedo para a minha prima e gritei:

— Foi você!

Ela não esperava essa reação, pendeu para trás, a cadeira virou, ela soltou um grito apavorante e caiu desmaiada na calçada.

Todos que estavam no velório saíram correndo, o morto ficou sozinho, e nós, preocupados com a prima que demorava a voltar a si.

Gilberto Carvalho Pereira
Enviado por Gilberto Carvalho Pereira em 14/11/2017
Reeditado em 14/11/2017
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