Conto_Mar(ina)

Marina entrou no ônibus observando que não havia ninguém. Ainda assim escolheu o último banco e sentou-se.

Observou a cidade pela janela e viu que tudo passava lentamente. A cidade era bonita, mas era sem graça já fazia tempo. A distração lhe distanciou do tempo espaço e só quase no fim do seu percurso, viu postado sob o banco, um envelope pardo. Tentou deixar pra lá mas sentiu que o impulso das suas mãos em pega-lo era maior que a sua própria vontade. A textura do envelope era diferente, como se fosse líquida e se, ao abri-lo, saísse do seu interior uma corrente d’água. Abriu e não houve surpresa ao ver que era apenas uma carta. Uma carta envolta por um sal fino, como areia. Marina ainda pensou em coloca-la de volta onde a encontrou mas antes mesmo que pudesse concluir o pensamento, já a havia aberto e lido as suas primeiras palavras.

“Antes que você pense em desistir de mim e me colocar no lugar onde me encontrou, te peço, fique comigo, até o final para só então desistir de mim.”

Marina colocou a carta na bolsa, deu sinal e desceu próximo a academia de jazz onde dava aula. A porta se encontrava aberta mas não havia ninguém ali. Nem funcionários, nem alunos. Só o som do Jazz que vinha da sala de dança que também estava vazia. Olhou-se nos grandes espelhos que envolviam a sala e dançou pra si. Entre “caminhada do gato”, “battement” e “dobradiças”, pensava na carta. Quem seria aquela desconhecida? Lhe veio uma enorme vontade de chorar e mais uma vez se sentiu só. Saiu da escola sem ao menos se dar conta que estivera ali sozinha o tempo inteiro, e nem sequer pensou onde estariam todos, e quem abrira a porta. Só conseguiu pensar na carta da desconhecida.

Mais um ônibus vazio. Ela e a carta numa viagem silenciosa.

“Talvez você não se importe com a história de uma desconhecida, mas por algum motivo, essa carta precisava chegar até você. Sabe quando tudo é apenas vazio e lento? Sim, você sabe. As coisas tem gosto de sal. Sal que vem das lágrimas que tocam seu rosto. Talvez você seja o mar. Talvez seja tão infinita e tão grande que não pode ser sólida. E então você olha a sua volta e percebe que a liquidez está mais próxima de você do que imaginava.”

Marina olhou pra fora do ônibus e percebeu que passava pela praia. Deu sinal e desceu com a carta na mão sem se dar conta do pensamento involuntário que tomava conta de si. Sentou-se na areia e continuou a ler.

“Nesse momento você está sentada na areia da praia, não é? As ondas do mar estão calmas, assim como tudo a sua volta. Até esse vento que tocou a sua face é tão calmo que por pouco não existiu. E quantas vezes eu acordei e tudo era vazio e silêncio. E se eu te dissesse que entrar naquele ônibus e ter me encontrado em letras num papel e todo o estranhamento com tudo a sua volta, assim como você ter vindo sem qualquer explicação para essa praia, que tudo isso tem sentido? E se eu te dissesse que todo esse vazio é tão seu e já lhe acompanha a tanto tempo?. Sim, você está triste e não vê mais razão para viver. E já faz tempo que você sai de casa e não vê ninguém na rua, que você dança pra si mesma a fim de dar um pouco de ritmo a essa solidez que virou a sua vida. Olhe pro mar. Você pode me ver? Você nasceu pra ser líquida, salgada e extensa.

Marina se viu dançando sobre as ondas calmas e seu corpo emergia lentamente enquanto tudo a sua volta era silêncio. E embalada pelo mar, entendeu que a melhor forma de explicar-se a si mesma, era entendendo que por ser tão grande, não podia caber em si. E foi para sempre Mar(ina).

Elmo Férrer
Enviado por Elmo Férrer em 17/09/2017
Código do texto: T6116467
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