Conto das terças-feiras - Desaparecimentos Misteriosos
Gilberto Carvalho Pereira, Fortaleza, CE, 22 de agosto de 2017
Uma cidade, um bairro, uma rua, duas casas, dois amigos, duas amigas, dois casais. Assim começa nossa história de suspense e mistério não decifrável.
Manhã de segunda-feira, sete horas, em ambas as casas mesas postas para o café matinal, inicia-se mais um dia movimentado. As crianças já prontas à espera do micro-ônibus que as levará à escola. A última tarefa agora é tomarem café, rápido. O motorista insiste na buzina que as chama parecendo dizer – estou com pressa, tenho que apanhar outras crianças. Um corre-corre acontece nas duas casas, pega mochila daqui, pega lancheira dali, só retornarão depois das 17h30. As crianças almoçam na escola, as empregadas já iniciaram suas tarefas domésticas. Só irão para suas casas quando as patroas, que chegam primeiro que os maridos, retornarem.
Em seguida os adultos acordam; tomam banho, se perfumam, se maquiam, escolhem suas roupas para o dia, os sapatos, descem, tomam café, retiram os carros das garagens e partem para os locais de trabalho. Os quatro trabalham em locais distantes uns dos outros. Mais um dia de rotina a ser cumprida. Mais uma semana sem sobressalto, esperam todos eles.
As coisas começaram a mudar quando uma das patroas não voltou para casa na hora costumeira. A empregada telefonou para a empresa onde a patroa trabalha e foi avisada que ela não tinha comparecido ao emprego, naquele dia. Rapidamente telefonou para o patrão que ficou chocado com a notícia. Ele confirmou com a secretária da esposa sobre a veracidade da notícia recebida. — Infelizmente é isso mesmo, a moça respondeu. Ele, já bastante preocupado, pediu para a empregada ficar mais um pouco com as crianças, pois teria que fazer algumas ligações para as amigas da esposa, e se demorasse muito é porque estaria verificando nas delegacias, nos hospitais e até no IML.
Na outra casa, como o marido não voltou no horário de costume, a esposa telefonou para o escritório dele e não obteve resposta. Ela pensou, deve estar a caminho de casa. Para que me preocupar por causa de um pequeno atraso? As horas se passaram e nada do marido. Os amigos consultados de nada sabiam sobre o paradeiro do esposo dela. Ela resolveu ligar para a mãe e pedir que viesse ficar com as crianças, precisava sair para visitar uma amiga, mentiu. Poucos minutos a avó chegou e encontrou a filha com um comportamento estranho, discreta, nada perguntou. A filha saiu apressada, com destino à delegacia do bairro. Ninguém tinha informação sobre o caso, ela correu para os hospitais, nada. Foi também ao IML, nada. Aí, ela foi aconselhada a fazer boletim de ocorrência nas delegacias especializadas sobre desaparecidos e de roubos de veículos. Nas delegacias, ao fornecer o endereço, ficou sabendo que seu vizinho e amigo também tinha estado lá, à procura da esposa e de seu carro. Ficou sabendo também, que as delegacias só iniciariam as diligências depois de 24 horas da lavratura do BO.
De volta para casa, pois não tinha mais nada a fazer, encontrou sua mãe já dormindo. Pegou o telefone, apesar da hora avançada, passava das 4 horas da madrugada, discou para o amigo, o vizinho. Ele ainda não havia retornado e quem atendeu foi a empregada, que tentou esclarecer o motivo da demora e teve a ligação interrompida abruptamente. Outros telefonemas foram dados, para outros amigos e amigas, ninguém sabia de nada, até gracejo ouviu, dado o adiantado da hora.
Com o dia já claro, ela conseguiu se avistar com o vizinho, que ainda não sabia do desaparecimento do amigo. Ambos retornaram às delegacias já visitadas e solicitaram urgência na busca. O delegado, informalmente, deu início a um interrogatório:
— Vocês desconfiam do que pode ter acontecido?
Ambos balançaram as cabeças, negativamente.
— Desde quando vocês são amigos? Eles teriam sumido juntos? Havia desconfiança do relacionamento entre eles? Eles se encontraram ontem? Isto é, domingo? Vocês procuraram indícios, em casa, do motivo do sumiço? Era costume eles ficarem sozinhos? Conversavam entre si, afastados de vocês?
Este turbilhão de perguntas os deixou atordoados. Eles não sabiam o que responder, nada daquilo jamais passara pela cabeça dos dois. Eles apenas se entreolhavam estupefatos e incrédulos. Vez por outra um deles murmurava algo inaudível para o delegado. Ela não continha o choro, ele o represava, mas seus olhos estavam vermelhos, sinal que havia chorado muito durante a noite.
Ficou acertado que as diligências seriam ordenadas no período da tarde e que o delegado iria até às casas de ambos, fazer averiguações. Com ele iria também um fotógrafo e um perito para fazer varredura nos quartos e outros cômodos das casas dos desaparecidos.
Depois de dois anos, a polícia ainda não havia encontrado os carros e nem sabido do paradeiro dos dois. Nenhuma pista levou o delegado a desvendar o mistério. A única conclusão a que chegou a polícia é que eles não viajaram para outro país, os passaportes foram encontrados. A não ser que tenham tirado passaportes falsos, com nomes falsos.
A necessidade de conciliar a guarda das quatro crianças, os viúvos, que conviveram e guardam na memória tão grave problemas, se aproximaram ainda mais e tomaram a decisão de se casarem. Foram morar em uma das casas, escolhida por sorteio entre ambos. Eles vivem felizes junto aos seus quatro filhos.
Perguntas, entretanto, continuam sem respostas: onde estarão os dois desaparecidos? De onde eles realmente sumiram? Alguém os ajudou? Estarão mortos, quem os matou? Se mortos, foi crime por encomenda? Crime passional? Latrocínio? Foram abduzidos? Estão em outros país, protegidos? É tarefa do leitor escolher a sua vertente e continuar o conto. Vamos usar a imaginação e as palavras para criar. Sucesso!