A Morte nos Traiu
Anoiteceu. O relógio já batia indicando oito horas. Fim do expediente, chovia como de costume naquela época do ano. Agatha dispensou sua secretária. Pegou a última papelada do seu escritório. Quando ouviu o apito indicando a presença de um paciente.
- Doutora Agatha... Preciso conversar.
- Olá Anna, mil desculpas, mas a sua consulta era as 16hrs. - Só então olhou para a moça ensopada pela chuva bem a sua frente com um semblante horrível, maquiagem borrada, realmente assustadora. – Minha nossa! O que houve? Entre... – mudou de idéia.
- Obrigada. – Entrou e sentou-se em uma cadeira dentro da sala como de costume, Agatha era Psicóloga e Anna sua paciente das segundas feiras.
- E esta mala? Vai viajar Anna? – falou sobre uma mala enorme do lado de fora do consultório na chuva, arrastou para dentro rapidamente – Que peso!
- Obrigada. – era só o que conseguia dizer.
- Anna sei que você não anda bem estes últimos dias, mas eu realmente estou de saída, acabou o meu turno, preciso ir para a casa, tenho alguns trabalhos para... – Anna Interrompeu.
- Meu marido me traiu. – O tempo inteiro olhava para baixo, olhar escuro, palavras frias.
- O seu marido? Mas do que realmente está falando? Com quem?
- Eu me levantei pela manhã como sempre, preparei a mesa do café para ele, ele tinha uma reunião logo em seguida, disse que não teria tempo de tomar o café em casa, e que na rua ele poderia tomar. Pediu para que eu não me preocupasse com isso, tolo. Beijou-me rapidamente e voou para o carro. Eu iria contar para ele que estava grávida. Queria fazer uma surpresa, sempre fora meu sonho ser mãe – uma lágrima rolou – Imagina só? Eu, mãe. Quando estava retirando a mesa, percebi que ele esqueceu sua pasta, ele não anda sem a mesma, e saiu tão depressa atrasado que nem se deu conta que estava sem a mesma. Quis ajudar, peguei o carro e fui atrás. E foi ai que eu o vi, com ela, entrando naquele Motel, foi surpreendente.
- Anna, eu sei que isso está te perturbando, mas eu realmente preciso ir
– levantou-se abruptamente e foi em direção a porta – Amanhã nós terminamos.
- Porque a pressa Dra.? – Serviu-se um copo de uísque que estava sobre a mesa de Agatha. – E quando vi aquela cena, eu me senti uma idiota sabe? Porque ela sempre me disse que o meu marido estava apenas reagindo as minhas atitudes... Então eu pensei, pensei... Qual atitude minha levou ele a procurar uma vagabunda fora de casa? Eu já não estava trepando como ele gostava? Eu não agüentei aquilo, era demais para mim, e para terminar ele passou a mão nas pernas dela, como ele fazia com as minhas – nesse momento Anna olhou para as pernas de Agatha – Lindas pernas inclusive.
- Vou chamar um táxi, você está um pouco fora de si, relaxe a sua cabeça... – Pegou a chave para abrir a porta.
- Mas já? Você ainda não ouviu a melhor parte... – cruzou as pernas.
- Eu não quero ouvir parte nenhuma mais por hoje Anna! Chega!
- Foi gostoso? Dormir com o meu homem? – cruzou as pernas.
- Eu não sei do que você está falando..
- Eu cheguei à minha casa e fiquei me perguntando, o que estaria faltando em mim... Olhei até para os meus seios acredita? – debochou – Os achei por um instante, pequenos demais, me deparei de frente para o espelho e ali foi cruel. Oh! Como foi cruel, porque ali eu percebi que eu já havia deixado de ser eu há muito tempo. Senti ódio, de mim mesma, e me recordei das inúmeras vezes que eu vivi para ele, e esqueci que existia alguém dentro de mim, vontades dentro de mim, que eu abri mão de viver, a troco de que? – levantou-se e curvou-se para a Doutora.
- Enquanto eu deixava de viver minhas vontades, ele vivia as vontades de uma vagabunda no qual eu abri toda a minha vida. – Anna riu por um longo minuto.
- Chega vou por um fim nisso! – disse a Psicóloga.
- ISSO! – exclamou Anna – Exatamente isso que eu pensei, preciso colocar um fim nisso! Disse isso para mim mesma inúmeras vezes na frente do espelho. E pensei, ela vai me pagar! – Anna retirou uma faca de seu vestido longo e branco ainda encharcado da chuva.
- Anna! Não é assim que resolvemos as coisas! Acalme-se!
Ela levantou Agatha e deu diversas voltas em torno da mesma portando a grande faca. Pegou firmemente nas mãos dela, e deu-lhe a ferramenta.
- O que pensa que está fazendo?
- Sabe Agatha, um dos maiores mitos da vida é de que os mortos não falam – soltou uma risada um tanto sinistra e desapareceu.
Agatha estava atordoada, e foi logo em direção a porta, ao tentar sair deu de cara com a mala de Anna, gritou por ela, mas a mesma havia simplesmente se dissipado como fumaça ao vento. Tomou então coragem e abriu a mala, sentiu forte tontura ao ver o que havia ali dentro.
O corpo de Anna... Ali se decompondo havia pelo menos três dias. Desesperada, correu em direção ao seu carro, aos prantos, tremia para colocar a chave no contato. Quando percebeu que seu porta malas estava aberto. Saiu rapidamente para fechá-lo e dentro do mesmo estava o corpo do seu amante, marido de sua paciente, o homem que dividiu duas vidas para sempre. Em sua mão uma foto do casal infiel, e atrás dela, as sirenes dos policiais que estavam acabando de chegar ao lugar, pois foram alertados que um crime fatal teria acontecido ali.
Por um momento, nada sentiu, as lágrimas confundiam-se com a forte chuva, estava atônita.
- Mãos para o alto! – um dos policiais ordenou.
Olhou rapidamente para o cadáver de Anna e teve a ligeira impressão que a mesma ria de tudo aquilo. E ali, fora algemada tentando entender o que tivera acontecido.