Contos Marginais
Era tarde e ainda discutiamos sobre a relevância das experiências pessoais como propulsor de novas ideias nas obras dos artistas que, por acaso, descobrimos gostar em comum, quando ela interrompeu a conversa para dizer que alguém tocava a campainha. Por conta dessa paranóia de não querer incomodar, sugeri que terminassemos o papo outro dia e ela concordou dando–se por satisfeita. Desliguei primeiro, mas confesso que fiquei com um pouco de ciúmes por não saber quem poderia ser àquela hora. Eis o porquê do meu receio por amizades femininas: me apaixono rápido, mesmo sabendo que essa não deve ser a finalidade desse tipo de relação. Mas porra! Se ela tivesse chegado um pouco antes. Antes da minha vida ter se afundado nesse buraco de vez. Antes de ter me fudido assim. Você também já deve ter pensado como eu: a situação perfeita acontecendo no momento errado. Espera. Deixa eu explicar melhor: provavelmente lhe ocorreu que o universo estivesse sendo demasiado caridoso se aquele encontro casual, aquela aposta ganha, aquela foda bem dada, não fossem nas condições atuais, mas, quem sabe, em um momento mais propício.
A vida é uma bola de merda. Uma grande e fedorenta bola de merda e nós somos escaravelhos rolando essa merda enorme por aí. Há ainda os que se orgulham da sua própria bola de merda, ostentando essa enorme e fedorenta desgraça como um troféu. Enquanto a mim, ainda nem imagino o que esses besouros fazem com essa merda toda. Apenas continuo rolando, rolando e rolando. Talvez, desse bolo de merda, saia alguém que descubra as respostas que tanto procuro. Enquanto não, vivemos nesse show bizarro, subindo e descendo e subindo de novo a montanha, atrás de uma bola de merda, nesse trabalho sisífico humilhante.
Amanheceu.
Domingo de ressaca. Com gosto de café. Com gosto de vômito. Com gosto algum. As teclas estão pesadas, meus olhos estão pesados, mas com algum esforço ouço novamente a sua voz:
— Esse telefone não existe...