Generoso retoma a conversa com o Tocador de Flauta.
— Eu bem gostaria de ter ficado mais tempo, cuidando de uma rosa que deixei na terra.
— Cumpriste tua missão.
— Viste Corina por onde andaste, meu Senhor?
— Guardei tua amada para o último dia. Agora venha participar do banquete.
— Corina!...
— Meu Cravo, conta-me como foi tua passagem?
— O acendedor de Lampião estava à minha chegada. Inicialmente, assustei-me ao ver aquele corpo chagado, e sobre a cabeça, uma coroa de espinhos.
— Acendedor de Lampião... Tocador de Flauta?
— As pessoas o conhecem por muitos nomes. Acendedor de Lampião, porque Ele é a luz. E Tocador de Flauta porque... Bem, o tocador de flauta tem seguidores que o acompanham para ouvi-lo.
—Toca pra mim ‘Saudade de Mirabela?’
— Cadê a viola?
— Zé Coco já vem trazendo!
— Queres uma cena em Campo Grande? Vou juntar o gado.
— Sim! Como no alpendre da fazenda.
Ê boi, ê boi... ê boi bom cara pintada. Ê boi, ê boi... Ê boi bom, pega a estrada. Bôooi...
— Atalho o boi, nego mole!
— Não me interrompa, patrão. Ainda não cantei tudo que aprendi com meu pai.
Lau toca berrante. Os vaqueiros, aboiam.
Avante, Gracioso!... Arreda, Matreiro!...Vai Samburá... Arreda, menino,
que a boiada vai passar! Bôooi!
Evem a boiada de Campo Grande...
Chega, João Velho! — disse Euzébia — já tem muito gado no pátio!
Ê boi, ê boi... ê boi bom cara pintada. Ê boi, ê boi... ê boi bom cara pintada. Bôooi!’
Tunico Oliveira calcula por baixo: mais de quatrocentas reses. Veríssimo confirma. Maximiano fica calado.
— Chamaste tia Du pra o churrasco?
— Qual delas?
— As duas: a mãe de Smith e a Lopes.
— Do Carmo Lopes está aí, faz tempo!
— Du não vem. Não larga Zeca pra nada. Diz que estava com muita saudade...
— Aqui só existe sentimento nobre.
— Saudade é sentimento nobre. Só se sente saudade do que é bom.
— O Pastor sente saudade de suas ovelhas. Vontade de sentir a maciez da lá e do cheiro. Nunca reparaste que ovelha tem cheiro bom?
— Nunca pensei nisso.
— Chove lá fora.
— É chuva de bênção.
Corina avisa que a mesa está pronta.
— Eu não tinha sentido fome, desde que cheguei aqui.
— Esqueceste que nos transportamos para Campo Grande, meu Cravo? Hoje é a festa do Vaqueiro.
O campo está florido, a figueira adubada, dá bons frutos e a mulher do vaqueiro espera o marido. O relógio dele anda atrasado. A índia Apinajé eleva uma prece à Virgem Maria: ‘Daí pressa Senhora, em favor do mundo...’ Nhá Santa reza o terço e intercedendo pelo filho. Nossa Senhora Aparecida chega trazendo Onofre pelo braço. A família é toda reunida. Apinajé toca cangoeira. Cuiarana dança.
— Esses são teus neto, pai!
O cacique ergue três tendas. O dono da venda aparece brincado com um tatu-bola. O tatu rola... Escapa das mãos do goleiro. A torcia grita: ‘goooool...’ O time do tatu preto perdeu. Ganhou o time do santo.
— São Jerônimo acudiu-me. Honrou seu nome — Disse Jerônimo.
Adilson confere o registro da pia batismal. Norberto é seu nome no céu.
— Não aceito purgatório. Vou direto para o céu, disse a mulher de Norberto.
— Isso é que é ter fé. Com que nome entraste no céu?
— Desde menino nosso filho foi assim...decidido. Teimoso. Se disser que pau é pedra. Pau vira pedra ou o mundo desaba. Ameaçou processar Generoso, se este declinasse o verdadeiro nome de seus personagens nos livros que o poeta e fazendeiro escreveu com a caneta na mão da neta.
— Angélica, psicografia é uma farsa. No céu tudo é verdade. A mentira não prevalece.
— Nada foi psicografado, Dilson.
— Ora, se Generoso depois de passar para o outro lado da vida, escreve com a pena na mão da neta, não é psicografia, Edna?
— Ô, meu Cheiro! Tudo estava escrito. A menina organizou. Acrescentou alguma coisa que só era conhecida na oralidade. Generoso é a própria história de Campo Grande.
***
Adalberto Lima, fragmento de um dos últimos capítulos de Estrela que o vento soprou.
Imagem; Internet
— Eu bem gostaria de ter ficado mais tempo, cuidando de uma rosa que deixei na terra.
— Cumpriste tua missão.
— Viste Corina por onde andaste, meu Senhor?
— Guardei tua amada para o último dia. Agora venha participar do banquete.
— Corina!...
— Meu Cravo, conta-me como foi tua passagem?
— O acendedor de Lampião estava à minha chegada. Inicialmente, assustei-me ao ver aquele corpo chagado, e sobre a cabeça, uma coroa de espinhos.
— Acendedor de Lampião... Tocador de Flauta?
— As pessoas o conhecem por muitos nomes. Acendedor de Lampião, porque Ele é a luz. E Tocador de Flauta porque... Bem, o tocador de flauta tem seguidores que o acompanham para ouvi-lo.
—Toca pra mim ‘Saudade de Mirabela?’
— Cadê a viola?
— Zé Coco já vem trazendo!
— Queres uma cena em Campo Grande? Vou juntar o gado.
— Sim! Como no alpendre da fazenda.
Ê boi, ê boi... ê boi bom cara pintada. Ê boi, ê boi... Ê boi bom, pega a estrada. Bôooi...
— Atalho o boi, nego mole!
— Não me interrompa, patrão. Ainda não cantei tudo que aprendi com meu pai.
Lau toca berrante. Os vaqueiros, aboiam.
Avante, Gracioso!... Arreda, Matreiro!...Vai Samburá... Arreda, menino,
que a boiada vai passar! Bôooi!
Evem a boiada de Campo Grande...
Chega, João Velho! — disse Euzébia — já tem muito gado no pátio!
Ê boi, ê boi... ê boi bom cara pintada. Ê boi, ê boi... ê boi bom cara pintada. Bôooi!’
Tunico Oliveira calcula por baixo: mais de quatrocentas reses. Veríssimo confirma. Maximiano fica calado.
— Chamaste tia Du pra o churrasco?
— Qual delas?
— As duas: a mãe de Smith e a Lopes.
— Do Carmo Lopes está aí, faz tempo!
— Du não vem. Não larga Zeca pra nada. Diz que estava com muita saudade...
— Aqui só existe sentimento nobre.
— Saudade é sentimento nobre. Só se sente saudade do que é bom.
— O Pastor sente saudade de suas ovelhas. Vontade de sentir a maciez da lá e do cheiro. Nunca reparaste que ovelha tem cheiro bom?
— Nunca pensei nisso.
— Chove lá fora.
— É chuva de bênção.
Corina avisa que a mesa está pronta.
— Eu não tinha sentido fome, desde que cheguei aqui.
— Esqueceste que nos transportamos para Campo Grande, meu Cravo? Hoje é a festa do Vaqueiro.
O campo está florido, a figueira adubada, dá bons frutos e a mulher do vaqueiro espera o marido. O relógio dele anda atrasado. A índia Apinajé eleva uma prece à Virgem Maria: ‘Daí pressa Senhora, em favor do mundo...’ Nhá Santa reza o terço e intercedendo pelo filho. Nossa Senhora Aparecida chega trazendo Onofre pelo braço. A família é toda reunida. Apinajé toca cangoeira. Cuiarana dança.
— Esses são teus neto, pai!
O cacique ergue três tendas. O dono da venda aparece brincado com um tatu-bola. O tatu rola... Escapa das mãos do goleiro. A torcia grita: ‘goooool...’ O time do tatu preto perdeu. Ganhou o time do santo.
— São Jerônimo acudiu-me. Honrou seu nome — Disse Jerônimo.
Adilson confere o registro da pia batismal. Norberto é seu nome no céu.
— Não aceito purgatório. Vou direto para o céu, disse a mulher de Norberto.
— Isso é que é ter fé. Com que nome entraste no céu?
— Desde menino nosso filho foi assim...decidido. Teimoso. Se disser que pau é pedra. Pau vira pedra ou o mundo desaba. Ameaçou processar Generoso, se este declinasse o verdadeiro nome de seus personagens nos livros que o poeta e fazendeiro escreveu com a caneta na mão da neta.
— Angélica, psicografia é uma farsa. No céu tudo é verdade. A mentira não prevalece.
— Nada foi psicografado, Dilson.
— Ora, se Generoso depois de passar para o outro lado da vida, escreve com a pena na mão da neta, não é psicografia, Edna?
— Ô, meu Cheiro! Tudo estava escrito. A menina organizou. Acrescentou alguma coisa que só era conhecida na oralidade. Generoso é a própria história de Campo Grande.
***
Adalberto Lima, fragmento de um dos últimos capítulos de Estrela que o vento soprou.
Imagem; Internet