O céu fez silêncio de meia hora.
 Quando tocou a trombeta, um homem de terno branco, estacionou o fusca preto na faixa que separa o céu da terra. Puxou a cortina e recebeu os primeiros raios de luz. Em seguida, rasgou um bilhete de loteria e elevou as mãos em prece: ‘Senhor, tu me deste o tempo necessário para plantar e para colher, adiaste a ceifa para que minha alma atingisse a maturidade, segundo Cristo; e prolongaste minha vigília para que eu Te encontrasse antes do entardecer de minha existência. Eis-me aqui, frágil e dependente da Tua misericórdia.’
Aliviado, reconheceu Ramayana apagando o fogo que saia de um tubo com a ponta alargada, outrora usado por viciados para fumar pedra. Pedra que consumiam. E  sumiam vagando no mundo feito zumbis. Ela apagava os cachimbos de craque, com a água que corria do lado direito do templo.
Escondido na penumbra de suas más inclinações, o  Anjo Negro se divertia e bradava com voz cavernosa: ‘Não tem jeito! Todos condenados...’ Mas Ramayana não parava de oferecer água àqueles que tinham sede. E suas almas, antes manchadas, iam tomando brancura. Com efeito o anjo de voz gargalhada, desapareceu  numa nuvem de fumaça negra. 
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Adalberto Lima, fragmento de Estrela que o vento soprou.