A Menina e o pequeno prazer
O local era Sarajevo.A cidade era a capital Bósnia. A cidade estava sitiada .Bombas explodiam,tiros de fuzis e granadas.A quinta guerra do século XX se manifestava.Estava a cidade uma carcaça.
Prédios demolidos pelos tiros dos fuzis potentes nas paredes e pelos tiros dos tanques.Os atiradores sérvios miravam os transeuntes e os fuzilavam,do alto dos prédios,ou de uma área mais alta dos morros.O muro de Berlim havia caído.Foi o fim da guerra fria.O lado mais sombrio das ideologias,o nacionalismo surgia em vitrines de ambições das mais diversas. Os ingênuos acreditavam que com a queda do muro de Berlim morria o comunismo e que o futuro do mundo estaria mais tranquilo.Os movimentos anti-comunismo da Europa do Leste deu uma resposta de inconformismo-e,so.As guerras explodiam e a matança se confirmava.
Era o ano de 1992.A guerra não tem sentido,e são todas parecidas.São povos em conflitos.Vivem numa mesma região,falam a mesma língua,mas querem uma independência covarde,sem sentido.São os Sérvios,Croatas e os Eslovenios .Querem a separação.Não importa os danos que causem,a infelicidade que provoquem.
Era uma raridade ter a liberdade de poder andar pelas ruas da cidade sitiada.Naquele dia foi buscar água potável com o avô num posto de uma instituição internacional que fazia acolhimento com a população que estava no meio do conflito,e ainda não pôde ser refugiada para uma região distante do conflito.
Quando passaram pela rua Alemka o velho prédio da loja Haris,por milagre conservava ainda intacta a vitrine da loja.Ali parou,colocou o balde água no chão e o seu rosto anjelical fixou o seu olhar numa máquina de escrever azul que estava em cima de uma banqueta.Tinha uma placa com um modesto valor.
-Vamos para casa.Não demora e recomeça o tiroteio.
-Ah,vô...eu queria ter aquela máquina de escrever.Quando crescer eu quero ser uma escritora.Quem sabe que escrevendo sobre o que se acontece de ruim numa guerra possa influenciar o mundo para que nunca mais os homens se matem assim.
-Não temos se quer o que comer,imagine comprar esta máquina de escrever.Os escritores,bah.Muitos deles até defenderam os maiores genocidas da humanidade.
Bojana tinha apenas 8 anos de idade.Lágrimas escorriam pela sua linda face.
-Pode escrever de lápis no papel que ainda conseguimos com o pessoas da Cruz Vermelha para as suas aulas...Pára de chorar.
-Eu sei,eu ja escrevo assim,mas é que com a máquina iria parecer mais escritora,entende? Sentir os dedos nas teclas,a formação das palavras no papel...
- Quer a máquina garotinha?
Borjana nada disse,apenas balançou a cabeça com desmedida incredulidade.
-Eu aguardo o próximo resgate.Ja estou idoso.Não poderei levar nenhuma bagagem,so o necessário,e afinal,de contas quem vai querer comprar uma máquina de escrever em meio a uma guerra?
O tiroteio recomeça.Todos se assustam.Bombas explodem.A Eslovênia e a Croácia declaram independência.Seria o fim da Croácia.
Alija era croata, comerciante.Nunca foi um bom homem.A guerra o transformou a ponto de não fazer questão de um pequeno bem e doá-lo a menina.Ela segurou a máquina de escrever nas mãos,com dificuldade,apesar de ser pequena a máquina de escrever.Os dias passavam,os meses.Viver na guerra não era fácil.Faltavam alimentos,e até mesmo água potável para beber.Bojana não dava importância ao som dos fuzis que semeavam a morte.Não passou a dar mais importância às explosões incessantes.Apenas escrevia.Fazia poemas sobre a guerra.Escrevia um diário e pequenos contos inspirados nos relatos dos soldados armados,ou feridos que vez em quando passavam pela cidade destruída.
"Tudo o que eu queria era voltar a ser uma menina e viver em paz.Sem tiros e sem explosões."
Escreveu assim naquela noite.Os tiros pareciam incessantes.Claro que sabia que haveria muitos mortos,seria a notícia da manhã.Não dava muita importância,agora tinha o seu pequeno prazer:escrever sobre a guerra e dos muitos prejuízos que a mesma acumula para todos.As guerras exterminam milhões de vidas,destroem países,sonhos de crianças.Aquela guerra estava sendo retratada numa máquina de escrever manual,antiga por uma menina sonhadora-ironia desmedida,em meio a um tiroteio incessante.
Leônidas Grego