NO QUARTO DIA
No quarto dia
No quarto dia da semana Larissa acordou. Fora um longo sono, povoado de imagens aterradoras em que prevaleciam as cores vermelho e preto. Eram imagens distorcidas, que se agarravam em pedras pontiagudas e levavam as mãos em sua direção, como a dizerem venha, às vezes a tentarem puxá-la para o alto.Larissa continuou inerte,dormindo, dormindo.Os mesmos pesadelos a atormentá-la.E eles foram ficando piores,mais atrozes, com sussurros incompreensíveis. Agora eles sussurravam uns com os outros enquanto suas mãos continuavam ora a tentar subir, ora acenando para que fosse ter com eles. Pessoas reais estavam a sua volta e Larissa não as via e não acordava, mãos a tocavam, passavam-lhe panos úmidos no rosto, nas mãos.Nada. Larissa não piscava, não reagia a nada.Estava morta. Assim passavam-se os segundos, minutos, horas. Os pesadelos de Larissa então, começaram a mudar suas cores e suas feições, se é que tinham feições até então. Agora tinham formas mais nítidas, mas continuavam pretos e vermelhos, movendo-se da mesma forma.O tempo passava, Larissa imóvel fixava o nada, sem mover-se, sem reagir aos apelos. Alguns presentes, sem fé nenhuma começaram a rezar, outros os imitaram e de repente eram todos os parentes, vizinhos, amigos concentrados, buscando em suas almas sem fé alguma forma de consolo para si e para Larissa. Em seu isolamento na pesada escuridão ,Larissa visualizou a maioria das formas do pesadelo desaparecerem, ficou alguém, definida forma humana agora, veio até as pedras mais rentes ao solo e alcançou sua mão à Larissa. Não era mais vermelho e preto, nem disforme, tinha forma humana, o rosto de um desconhecido que finalmente estendeu sua mão até o leito onde Larissa fora acomodada e a tocou.Larissa moveu-se num ímpeto violento, estendeu-lhe e tocou-lhe com sua mão, deu um grito lancinante. O grito não agora era real, sua mente agora estava na realidade. Era o grito da vida. As pessoas pararam suas rezas e reflexões e começaram a chegar ao leito de Larissa. Ela acordara no quarto dia. Veio um médico que a examinou, fez perguntas, mandou mover-se, finalmente mandou andar e disse: normal. Pegou suas coisas e foi embora.
Os presentes foram saindo, as orações silenciaram,os sussurros não eram mais ouvidos, a casa voltou ao silêncio. Ao final do quarto dia Larissa não via mais ninguém, então pegou alguns poucos objetos e saiu fechando a portas atrás de si. Alguns disseram que foi para a estação rodoviária, para norte, disse alguém.Não, ela pegou o trem pela manhã, disse outro.Ninguém mais a viu, nem nunca dela souberam.