Alucinações de uma Sombra.
Capítulo II
 
     Os alarmes da delegacia dispararam, sirenes de sons variados, zuniam no ouvido de Dhror, em menos de cinco minutos, já haviam mais de três inspetores no local.

     Alexey Shotonov Pereira é o investigador mais velho e mais amigo de Chalev. Encontrou o autor dos disparos cabisbaixo, entrementes, embasbacado com sua péssima atuação. Corria apenas uma afirmação e uma pergunta ao mesmo tempo em sua mente; por que fui tão ingênuo e previsível?

     --- Atirar e perguntar depois não é mais uma boa política nos dias de hoje né? Você é um bom investigador e admirado pela sua inteligência e frieza. O que te levou a descarregar sua arma num possível suspeito? Perguntou Shotonov.

     A princípio Chalev Dhror ficou calado, se mantendo mudo. Foi até o tambor e olhou o local que os projéteis haviam acertado no latão. Os dezoitos projéteis estavam tão próximos um dos outros que muitos bateram no mesmo local.  Retornou até o colega Shotonov e falou:

     -- Eu também queria saber! Mesmo um novato não agiria dessa forma. Me mantive perfeito enquanto o suspeito perambulava dentro da repartição. Acredito que o induzi a pensar que eu não havia lhe percebido aqui dentro. Ele foi para o local que eu poderia segui-lo e até preparar-lhe uma emboscada... fiz essa bobagem.

     A situação causou mais risos entre os colegas que lá apareceram do que preocupação. Várias fotos foram tiradas e enviadas via whatsapp. Um latão de lixo cravejado de balas de uma Pistola Taurus PT838 - .380 ACP. O fato se tornou motivo de riso e admiração na rede social por uns bons dias. Um engraçadinho montou o rosto de um menino no latão, os tiros ficavam entre os olhos.

     Segunda-feira Chalev foi acordado ainda na cama por seu superior. Ligou no seu celular e pediu que chegasse na delegacia o mais rápido possível. Em menos de 10 minutos um carro adentrava a garagem da repartição com Dhror correndo com a camisa ainda desabotoada.

     -- Chegastes ligeiro! Tenho um caso em andamento que precisa de muita atenção e tenho em tu, Chalev, a certeza que tu irás resolver o quanto antes. Disse Anouck Batista Arkadiy seu chefe.

     Anouck é um senhor de idade já avançada, todavia, se nega a aposentar. O chefe insiste em falar com os colegas de trabalho na segunda pessoa, vira e mexe esquece as concordâncias verbais.

          Todos na delegacia admiram mais os erros do pobre velho. Não há deboche, apenas um balançar de cabeças acompanhado de um código entre os colegas:  ‘mais um’!

     Antes que o chefe lhe passasse o serviço específico e seus conselhos, Ayshane Ivannievhen entrou na sala e entregou um envelope pardo, tamanho ofício.

     Dhror aproveitou a pausa, o chefe foi atender uma ligação. Tirou três grampos que mantinham o envelope fechado, um lacre de plástico e devagar descolou as partes coladas com cola branca.

     Dentro do envelope havia um papel branco com letras recortadas, provavelmente de um livro. O seguinte:

 
         aratajaboejhreumhlermro5232
 
     -- Chalev! Anouck Batista Arkadiy lhe chamou: aqui está a investigação que quero que tu hás de usares todas as suas habilidades para solucionar. Tu podes ir agora. Muito obrigado, dispensou Dhror entregando lhe um envelope de cor branco.

         -- Ôh Ayshane, por favor, como esse envelope chegou até as suas mãos? Perguntou Dhror.

         -- Foi um taxista.  Por coincidência, quando eu estava chegando no portão da delegacia, ele buzinou, falou seu nome e me pediu para te entregar.

         -- E você se lembra como ele era, ou o carro?

        -- Uhai Chalev! Era um sujeito que estava de óculos escuro, tinha bigode escuro, cabelos grisalhos, curtos e encaracolados. A,  pele era clara, usava uma camisa branca com listras azuis na horizontal, usava um relógio Orient, sabe, daqueles antigão com fundo verde, estatura média, e pesava uns oitenta e cinco quilos.

      O carro era um ônix, acho que era modelo 2015 ou 2016, branco, rodas sem calotas, o pneu dianteiro do lado do motorista estava careca e tinha as faixas padronizadas para taxi.

      No retrovisor interno tinha uma boneca,  uma bruxinha com chapeuzinho vermelho e roupinhas pretas com uma vassourinha entre as perninhas.
         Chalev agradeceu as informações e se dirigiu para sua mesa de tampa azul. Abriu novamente o envelope com as palavras recortadas e coladas de forma impossível de decifrar. Lembrou do moleque que lhe havia lhe entregado uma mensagem no mesmo estilo, ou seja, indecifrável.

         Dhror fechou o envelope e colocou na gaveta, pegou o envelope que o chefe lhe passou. Abriu e olhou calmamente. Dentro do envelope havia parte do jornal local.  A matéria em destaque era sobre um assalto:  era na padaria, que fica no bairro dos Aloprados.

         Chalev não acreditava, a prioridade do chefe era um assalto à uma padaria! Tanta gente morrendo por morte matada e foi designado a investigar um assalto a uma padaria? Pensou: então o pior agente da delegacia estaria investigando o quê? Briga de vizinhos? Pô! Só faltava essa pra esculhambar com meu dia!

         Na quinta-feira Dhror foi chamado pelo rádio e lhe pediram para seguir para o endereço que lhe seria enviado pelo celular. Ao chegar no local, foi informado pelo perito que uma moça foi assassinada da mesma forma que a última. A moça estava bem vestida, sentada com os joelhos cruzados e sem sangue.

         Assim que os peritos liberaram o local e saíram, Chalev permaneceu lá. Enquanto a ambulância não chegava, resolveu revistar a defunta. Por instinto ou sorte, encontrou debaixo da calcinha, próxima da cintura da morta, um pedaço de papel.

         Ao abrir o pedaço de papel, ficou pasmo,  besta pelo que estava escrito a lápis:
                                                         aratajaboejhreumhlermro5232

     O relógio marcava sete horas da noite.  Dhror esperou a ambulância partir com o corpo da vítima, em seguida, saiu também. Seguiu para seu sítio que ficava a três quilômetros fora da cidade.

         Ao chegar ao sítio, Chalev Dhror da Silva, foi direto para o seu quarto, abriu uma caixa de metal e de dentro tirou o papel que continha a primeira mensagem e colocou lado a lado com a segunda.

 
                                           metrom - 9-6-22-25-19-2 (20) <25>23 I
                                                  aratajaboejhreumhlermro5232

 
         Levou os papeis para a sala, transcreveu para uma única folha, virou o papel de cabeça para baixo, virou para a esquerda, para a direita, fez um cilindro do papel com as letras para fora e colocou em cima de um espelho. Pregou na parede e ficou a um metro de distância.  Depois dois metros de distância. Juntou ao lado da mensagem, letras do nome das vítimas e os bairros que as mesmas foram encontradas. Nada!

         Chalev tirou os sapatos, as meias, memorizou um corredor entre a copa e a sala, fechou os olhos, mentalizou e via as duas mensagens uma do lado da outra perfeitamente de olhos fechados.

     Esticou os dois braços separados para frente, uniu o dedo indicador com o polegar de cada mão, mantendo apenas os calcanhares no chão e os dedos dos pés bem levantados. Começou a andar pelo corredor da casa, indo e vindo, emitindo um som gutural muito próprio seu, deu início à sua  meditação:

              Hummmmmmmmmm...     ...   ...   ...   ...   ... rátatáthammmmm

         Vagou pelo corredor por horas, serenou a mente, acalmou o corpo, sentiu novo e sem ansiedades. Foi até a cozinha e começou a preparar uma macarronada: um pacote de Barilla de 500 gramas, esquentou o feijão e fez o molho com estrato Etti. Usou todo o estrato, adorava o gosto ácido do molho industrializado.

     Logo que a sua janta estava pronta, colocou a metade do macarrão num prato fundo, bastante molho e um pouco de queijo ralado. Foi até a varanda, sentou em sua cadeira de balanço e comeu sua macarronada despretensiosamente.

     Retornou à cozinha, colocou o restante do macarrão no prato, despejou duas conchas de feijão pardinho, molho com força. Retornou à cadeira de balança e devorou tudo que continha no prato fundo.

     Chalev comia seu repasto sem tirar os olhos de uma pedra enorme que tinha em frente a casa. Não passou trinta minutos e Dhror voltou até a cozinha, cozinhou algumas bananas da terra, quatro ou seis, colocou-as no prato, banhou com mel e cobriu com açúcar refinado.

     Retornou até a varanda, sentou e conferiu que estava bem acomodado. Começou a comer a sobremesa com a mente concentrada na pedra. Não passou muito tempo, coisa de minutos, ouviu passos do lado direito da casa. Fechou apenas um olho e o manteve vidrado na pedra.

     Sorrateiramente, levou a mão abaixo da cadeira de balanço e pegou sua Pistola Taurus PT838 - .380 ACP. Conferiu que estava destravada, o pente estava bufando de munição. Fez tudo isso com um olho aberto travado na pedra e o outro olho fechado.

     Os sons das pegadas diminuíram, mas logo tornaram mais nítidas pelo lado esquerdo da casa. Eram uns estalinhos de folhas secas sendo pisadas. Chalev alternou a vista, fechou o olho esquerdo e abriu o direito, sempre mirando a pedra.

     Agora percebia uma leve vibração no telhado e as pisadas indo mais para a frente da casa. Chalev manteve-se imóvel, as batidas do coração controladas, a respiração também. Percebeu que algo descia do telhado da casa pelo lado direito: os estalinhos das folhas secas pisadas do lado esquerdo seguiam para a frente da casa, mas eram mais lentas. Seria uma emboscada?

     Num primeiro momento, parecia festa junina, pensou o vizinho de Dhror, mas não eram bombinhas, foram dezoito disparos de uma Pistola Taurus PT838 - .380 ACP.

     Alyona Antinko Matos, o vizinho, não titubeou, ligou para a polícia quando o último tiro foi deflagrado.

     Um camburão e duas viaturas de pequeno porte, chegaram no local trinta minutos depois. Alyona apontou de onde os tiros foram disparados. Dois policiais equipados com caneleiras, joelheiras, cotoveleiras, coletes a prova de balas, capacete, com fuzil e de roupas pretas, partiram rastejando para a chácara de Chalev Dhror.

     Pela frente foram mais dois policiais numa viatura, um fiat Uno. Desceram do carro e tendo o veículo como escudo, chamaram pelo dono da chácara.

     -- Meu nome é Chalev, sou policial civil, e vou sair com as mãos para cima, ok? Está tudo bem e posso explicar. Vou sair pela porta da frente em direção a vocês, não se preocupem, minha Pistola Taurus PT838 - .380 ACP está em cima da mesa descarregada.

     Chalev Dhror saiu calmamente como disse, com as mãos na cabeça. Dois policiais adentraram na chácara rastejando, entraram na casa e confirmaram:  a arma estava descarregada e em cima da mesa.

     Os policiais posicionaram os três carros de frente para a casa com as luzes acessas. Havia um cavalo esticado no chão ao lado da pedra grande. O cavalo estava morto e levou dezoito tiros na cabeça, mais precisamente, na testa.  Todos os dezoito tiros penetraram no cavalo pela testa!

     Os policiais registraram a ocorrência e foram embora. Entrementes, Chalev se remoía todo por dentro, tinha a sensação que um animal selvagem lhe coiceava as paredes do estômago. Todas as vísceras de Chalev queimavam e retorciam. E dizia para si mesmo:

     -- Atirei no alvo errado, além do cavalo, havia mais alguém aqui. Por que me equivoquei novamente! Estou lidando com um profissional?