Herdeiro - Capítulo I - O primeiro contato
Já estava tarde, lá fora o céu cinzento anunciava um verdadeiro dilúvio. Mário lembrou-se de que havia deixado seu veículo na lavação, localizada a duas quadras do edifício onde funcionava a imobiliária na qual trabalhava.
Tinha sido mais uma semana terrível, a meses não conseguia fechar um bom negócio para empresa, apenas mantinha com muito custo, os contratos vigentes. O país enfrentava a pior recessão de sua história, a economia havia despencado e o nível de desemprego crescia assustadoramente.
O ramo imobiliário foi o mais afetado pelo desastre econômico, o mercado estava repleto de ofertas para locação e/ou vendas de imóveis, tendo na contramão a escassez de interessados.
Quando Mário pegava a chave do veículo sobre a sua mesa o telefone tocou, por um instante permaneceu imóvel, pensando se atenderia a ligação, resolveu atender.
- Empreendimentos Imobiliários, boa noite.
- Boa noite, por gentileza, gostaria de falar com o senhor Mário, ele se encontra?
- Quem deseja falar com ele, e do que se trata?
Mario não quis se identificar de pronto, pois todos os dias recebia inúmeras ligações de empresas de telefonia e cartões de créditos, querendo vender seus produtos e serviços, já estava prestes a desligar quando seu interlocutor falou a palavra mágica....
- Estamos interessados em locar um imóvel e recebemos boas indicações de sua empresa e do senhor Mário, por isso, gostaríamos de contatá-lo, deixarei meu número, o senhor poderia pedir a ele que entre em contato conosco?
- Não será necessário, é o Mário quem está falando, desculpe não ter me identificado.
- Sem problemas, como já disse, recebemos ótimas indicações do senhor e de sua empresa, gostaríamos de agendar uma reunião o mais breve possível.
Mário a esta altura já encontrava-se num misto de felicidade e curiosidade, afinal, quem havia indicado a sua empresa? E quem o havia indicado? O fato de seu interlocutor utilizar a 1ª pessoa do plural, deixava claro o envolvimento de outras pessoas, quem seriam elas? Estava a pouco mais de 3 anos na empresa, os negócios mais lucrativos eram destinados aos associados, posição esta, disputada a ferro e fogo pelos corretores, por isso, não poderia perder a oportunidade, resolveu não questionar.
- Se estiver bom para o senhor, podemos agendar para próxima segunda-feira às 10:00 horas, aqui na empresa. Vocês possuem o endereço?
- Sim, sabemos onde fica, mas não podemos esperar, precisamos que o senhor nos atenda amanhã.
– Mas é sábado, a empresa não terá expediente.
- O senhor deseja ou não fazer negócio conosco?
Mário se viu num beco sem saída, o que fazer? Não tinha autonomia, precisava da autorização de um dos associados para realizar o atendimento no sábado, mas se entrasse em contato com eles correria o risco do negócio sair de suas mãos, caso os valores envolvidos fossem significativos. Resolveu arriscar, agendou para o primeiro horário do dia seguinte, iria ligar para um dos associados e inventar que precisava concluir umas propostas para semana seguinte, tinha certeza que a única exigência que fariam seria a de não registrar a entrada na empresa, para não terem de pagar horas extras.
Após confirmar o horário, despediu-se agradecendo pelo contato, ia saindo tão pensativo, que quase esqueceu a chave do carro sob sua mesa, sorte que Juca, o zelador, estava se preparando para passar o aspirador e notou que Mário deixara a chave na mesa, chamando sua atenção.
O escritório da empresa fica no 36º andar de um edifício localizado na Avenida Ipiranga em São Paulo, apesar de imponente, a construção havia sido concluída em pouco mais da metade do século XX, estando algumas de suas instalações obsoletas e comprometidas pela ação do tempo, em especial os elevadores. Cada vez que um temporal despencava em São Paulo, os elevadores apresentavam problemas, uns simplesmente deixavam de funcionar, outros paravam entre um andar e outro. Havia no total, dez elevadores, sendo dois específicos para transporte dos móveis e serviços de manutenção. Dos outros oito, seis ficavam ligados e dois eram reservas. Dos seis, somente dois subiam até o 45º andar, onde estavam localizados os auditórios e salões de festas. Enfim, a configuração de funcionamento dos elevadores foram definidas para melhor atender a demanda e as necessidades dos condôminos.
Apesar de Mário não sofrer de claustrofobia, estavam em Janeiro, lá fora o termômetro acusava 35°, ao meio-dia havia chego a 41°, o precário sistema de refrigeração dos elevadores costumava pifar junto com eles, por isso, ficar preso no elevador, definitivamente não estava em seus planos.
Mas a última ligação, que quase deixou de atender, renovou seu estado de ânimo e apesar dos fortes relâmpagos e do piscar de algumas lâmpadas, resolveu arriscar, entrou no elevador e pressionou o botão térreo.
Realmente era seu dia de sorte, mal o elevador parou no térreo, ouviu-se um forte estrondo do lado de fora, ao mesmo tempo, o edifício ficou no escuro.
Chovia muito, um selo de água dava a impressão que a rua havia virado um rio, uma senhora com um bebê no colo e uma menina agarrada a sua perna, protegiam-se na marquise do edifício, o táxi que ela havia chamado acabara de estacionar junto ao meio-fio, Mário se ofereceu para ajuda-la chegar ao veículo carregando a menina no colo, proposta que foi aceita de imediato.
Chegou encharcado na lavação para pegar seu carro, havia esquecido o guarda-chuva no veículo, mas não se importou, estava feliz e esperançoso, os últimos instantes foram para ele um prelúdio, de que dias melhores viriam, e o marco inicial seria a reunião do dia seguinte.