A Cabocla
Lá vinham damas e cavalheiros com todo garbo e elegância sob a luz da lua cheia. Elas, adornadas com joias, trajando impecáveis vestidos longilíneos em cambraia, eles, de fraques em tecido liso, e scarpin com meias de seda branca. Ao longe já podiam ouvir a música de câmara sendo habilmente executada. Literatura, champanhe e vinho também regavam aquele pomposo sarau, evento destinado a um grupo seleto de súditos da corte de Dom João V. Um desses era um notável escritor chamado Nuno Rafaelo de Laureana, que a essa altura, já um tanto inebriado, bailava no salão junto a seu par, uma bela cabocla, chamada Natércia Maria Fabião, (com quem Nuno Rafaelo firmara compromisso sem o consentimento dos pais).
Transcorria o sarau, e outros convidados ilustres chegaram, entre estes, um conhecido ourives (violonista nas horas vagas) chamado Pedro Gervel Antonelo, proprietário duma Joalheria, herança de seu pai, Delfino Antonelo, um navegante português que, centenas de anos antes atracara no litoral sul da Bahia. Foi justamente das mãos de Pedro Gervel que Nuno Rafaelo comprara dias antes um colar de esmeralda, presente que sua noiva Natércia Maria usava no evento.
Era exatamente meia noite em ponto quando Natércia Maria soltou-se dos braços de Nuno Rafaelo e começou a rodopiar de modo muito peculiar (um tanto escandaloso para a época) e aproximou-se de Pedro Gervel, o ourives, que no momento acompanhava a banda com seu violino Estradivário. Num rompante, ela tomou-lhe o arco do instrumento feito de pau-brasil, e cravou-o em sua jugular, todos apavorados observaram estáticos Pedro Gervel esvair-se em sangue, logo depois, Natércia Maria, a cabocla, bradou com um timbre de voz incomum:
“Eu sou o espírito do guerreiro Opira Upiara da tribo dos Pancararés, atravessei os tempos para me vingar dos descendentes de Delfino Antonelo. O homem que ao desembarcar aqui, onde chamavam de Terra de Santa Cruz, matou o nosso cacique por causa duma grande esmeralda, a mesma que lhe deu fortuna, a qual ele partiu em sete pedaços e vendeu como colares, iguais a estes que Natércia Maria está usando agora. Esta era a última parte que faltava ser recuperada, agora posso descansar no seio da minha terra”.
Quando o espírito do guerreiro Opira Upiara deixou o corpo de Natércia Maria Fabião, ela caiu desmaiada (sem o colar), mas logo se levantou. Sacudiu o vestido, ajeitou os longos cabelos pretos, tirou a aliança de sua mão direita e jogou aos pés de Nuno Rafaelo de Laureana e retirou-se do recinto.
Sarau catando Contos – Tema “O Índio que Invadiu o Sarau – Átomo