Alucinações de uma Sombra.

Capítulo I
 
     De pé em frente para uma grande janela de vidro, calça de linho preto, sapato mocassim Loafer Solferino preto, camisa branca de linho, gravata preta e um blazer Brunello Cucinelli azul petróleo.

     Olhos fixos em um único ponto da avenida, todavia, era apenas um treino, naquele momento, exercitava captar pela visão periférica o que acontecia ao redor do ponto fixo.

     As duas mãos estavam no bolso da calça, uma no bolso esquerdo e a outra no bolso direito, mantendo as costas bem eretas, as pernas um pouco entre abertas, revezava, ora a perna esquerda, ora a perna direita, que suportava o peso do corpo, sempre mantendo o mesmo centro de gravidade do corpo, independente de qual perna o sustentava.

     Cabelos liso, curto, grisalhos e penteado da direita para a esquerda, estava na casa dos trinta anos, falava pouco, era capaz de ouvir dois ou três pares de pessoas conversando ao mesmo tempo, seu raciocínio não era rápido, mas não errava em suas observações ou conclusões ao termino de seu trabalho.

     Não gostava de esportes de contado, muito menos de lutas, mas praticava jiu jitsu, por força do destino, ótimo atirador com armas curtas, sempre praticava tiro, mas gostava mesmo, era de descarregar a arma o mais rápido possível num alvo imaginário.

     Com os colegas e vizinhos tinha excelente relacionamento, mas jamais permitia que qualquer pessoa acompanhasse questões do seu trabalho, criou uma linha bem definida entre os amigos e familiares com sua profissão.

     Admirado por uns, temido por outros devido seu humor, inteligência e frieza, alguns acreditavam que o serviço exigia um distanciamento das emoções humanas, compaixão ali não encontrava guarita. Para outros, sim, era e é possível exercer tal profissão de forma humana e solidária.

     Não tinha um corpo atlético, mas tinha muita força e resistência, estatura mediana, pele bronzeada, lábios finos e boca grande, estava sempre contraída e com os dentes muito brancos chocando os de cima com os de baixo, por mais que contraia a boca, os dentes estavam sempre se chocando.

     Trimmm!... Trimmm!... Trimmm!... Trimmm!... Trimmm!...

     Antes de completar o sexto toque no telefone Standard Eletric Preto anos 60, Chalev dhror da Silva virou lentamente para trás, o oficial administrativo não estava em seu posto, a telefonista também não, já era quatro horas da tarde, eles não deveriam estar tomando café, afinal, perguntou Chalev dhror da Silva a si mesmo. Onde essas pessoas estão?

     A porta da repartição abriu abruptamente, Ayshane Ivannievhen Oliveira entrou esbaforida pela porta, saia curta de cor pink fluorescente, blusa com gola em V de cor amarelo ouro, brincos e sapatos cor pink, mantendo as mãos acima da barriga, devido o decote da blusa, o rosto vermelho de pudor devido a cena em que se encontrava naquela correria desvairada.

     Ivannievhen conseguiu alcançar o telefone anos 60 antes do sexto toque, graças aos seus braços longos, pernas compridas e bem torneadas, bastou um passo mais aberto. Ayshane é filha de pai russo e mãe judia, a pele é sedosa e branca como mandioca. De europeia só o nome, seu pensar e agir é brasileiríssimo, chorava, às vezes quando bebia com os amigos, queria ser mulata, mas a pele não bronzeava nem a força de um sol de 40 graus.

     Haviam três portas na sala, uma porta ficava ao lado do balcão que atendia os cidadãos, outra porta dava acesso a sala do diretor e a terceira, para uma sala que tinha quatro mesas, essas com blocos de anotações, calculadoras, telefones fixos sem fio, computadores, canetas, lápis, nesta sala ficava os investigadores.

     Os computadores estavam com os dias contados, na semana seguinte, seriam todos trocados por notebooks e estes deveriam ser levados pelos investigadores para casa, os aparelhos e as informações nestes, seriam de total responsabilidade de cada um.

     A repartição tinha as paredes pintadas de Bianco sereno, os portais eram de cor marrom e as portas Bianco sereno e as maçanetas douradas. O piso era de tábua corrida amarela e os rodapés eram marrons. Todas as mesas eram cinza com tampa azul claro. As lâmpadas eram de led tubular 24w. As mesas ficavam uma de frente para outra, ninguém ficava sentado às costas do outro.

     Ayshane Ivannievhen atendeu o telefone, sentou na cadeira giratória, pegou um bloco de anotações e começou a deslizar o lápis pelo imenso branco e infinito do bloquinho.

-- Meu senhor! Fale devagar, nessa velocidade não conseguirei fazer todas as anotações, por favor, acalme-se.

     Ayshane Ivannievhen tentou outras vezes acalmar a pessoa do outro lado da linha, mas nada adiantou. Por fim ela manteve o telefone na mesa, foi até um armário, pegou sua bolsa, abriu e tirou um batom, um pincel felpudo, uma latinha com pó e um lápis. Seguiu até a mesa em que estava o telefone e levou o até o ouvido, mantendo o sobre uma leve pressão entre o ombro e a orelha esquerda

-- Minha senhora! O meu carro é um Volkswagen anos 50, cor verde e amarelo, rodas com faixa branca, placa GAY 2469, tem um ursinho rosa amarrado no retrovisor interno.

     A pessoa do outro lado da linha falou pausadamente, para a atendente.

-- Preciso do seu nome completo, endereço, se trabalha, onde, quantos anos, de onde é, e RG e CPF. Ayshane falou passando o lápis retocando a maquiagem dos olhos, olhando num espelhinho que estava dentro da latinha com pó.

-- Meu nome é Amram Akiva Jacinto Aquino Rêgo. Rua da Gazela nº 2424, bairro Mata virgem. Trabalho na boate Starnight. Tenho 34 anos, sou de campinas, moro aqui há dois anos. RG 794.9077 SSP/ SP. CPF 232.563.786.88. Celular 97743-0024.

-- Senhor Jacinto Aquino Rêgo, estamos passando nesse momento, todas as informações para nossos agentes sobre o roubo, assim que tivermos alguma informação entraremos em contado com o senhor. Tenha uma boa tarde e passar bem.

     Do outro lado da cidade, Amram Akiva chorava copiosamente, foi até o quintal de Terra, ajoelhado, se lamentava jogando terra sobre a cabeça, levantava, elevava os dois braços para o céu e clamava, voltava a ajoelhar, jogava terra sobre a cabeça e lamuriava. O carro foi do bisavô, do avô, do pai e chegara à suas mãos a pouco mais de uma semana. O carro valia uma fortuna para a família, os filhos não se conformavam com o roubo, pensavam que só poderia ser coisa de colecionador endemoninhado. A esposa deixou dos afazeres da casa para rezar ao pé da imagem de são Cristóvão.

     O fim da tarde adentrou, um crepúsculo concreto se fez presente com a sua palidez mórbida, com alguns lampejos da luz do sol que já havia partido há um bom tempo.

     Chalev Dhror saiu pelos fundos da divisão de homicídios, ainda algemado em pensamentos do serviço, ganhou a calçada. Levou a mão esquerda à cabeça, alisou os cabelos grisalhos, olhou para onde o seu carro estava estacionado. O trânsito era intenso, pois sexta feira aquela avenida era muito usada para as pessoas deixarem a cidade ou chegarem nela.

     Tentou atravessar a avenida das Nações, mas foi impedido por um garoto de rua, franzino, olhos agitados, salivava muito e resoluto em sua ação.

-- Senhor! Aquele cabra me pediu para te entregar esse boletim. Virando se para o sentido da mão da rua e apontando para a esquina.

     Na esquina não havia nenhum homem ou carro parado, continuava afirmando para Chalev que o homem estava lá, lhe dera dez reais para entregar o boletim. O agente ficou a analisar aquele menino franzino que vestia apenas um calção curto e encardido, segurando uma nota de dez reais na mão direita.

     Chalev Dhror despachou o pirralho, logo que a criança estava há uma boa distância, abriu a folha que estava dobrada em oito partes. Ao abrir a folha havia o seguinte:
Metrom - 9-6-22-25-19-2 (20) <25>23 i   "GUHT".
 
     A mensagem era uma sequência de números e letras desordenadas, O que poderia ser? 

     Dhror estava mais intrigado como a mensagem que havia lhe chegado às suas mãos, por que uma criança tão malcuidada estava fazendo próxima de uma delegacia de polícia? Chalev dobrou novamente o boletim, colocou no bolso da calça da perna esquerda e seguiu direto para seu carro, um Cruise, branco pérola metálico, ano 2016 que estava estacionado na esquina oposta de onde o menino havia apontado.

     Estava muito cedo para ir para um barzinho, mas naquela sexta feira, decidira com um amigo tomar umas e bater um papo mais cedo no Confessionários Bar. Dhror chegou depois das seis e meia da tarde, porém, Teobaldo chegou as sete.      Teobaldo seguiu direto para a mesa em que estava Dhror com uma cerveja aberta e dois copos lado a lado.

     Naquela noite, Nahia, Elizaveta e Anastasya passaram pelo confessionário também, conversaram bastante e riram até demais, o bar com suas mesinhas de tampo de vidros, e pés de vime, as cadeiras eram de bambu com os assentos em tiras de couros de cores variadas. Um balcão enorme estilo americano com várias tvs ligadas em canais de esportes, lutas, futebol, basquete e outros esportes.

     Anastasya é um morena alta de olhos verdes, apaixonada por Dhror, mas esse vivia pasmado em seu trabalho, ele gostava de ouvi-la, eles se divertiam muito com suas conversas, mas ele não queria ir além de uma amizade.

     Elzaveta já vinha algum tempo trocando flertes com Teobaldo.

     Nahia uma mulher branca como leite, olhos pretos como jabuticaba, olhos de asiáticos, corpo esguio. Lábios sensuais e olhar despretensioso, estava sempre torcendo as pontinhas do cabelo com os dedos e brincando de alisá-los.

     Por volta da onze e meia, a mesa se desfez, Dhror deu uma carona para Anastasya e depois seguiu para casa, Teobaldo deu carona para as outras duas, deixou primeiro Nahia em casa e depois seguiu para a casa de Elizaveta.      Eles permaneceram algum tempo no carro em frente à casa de dela, mas uma luz da frente da casa ascendeu, Elizaveta se apressou e entrou logo em casa, antes eles se beijaram apaixonadamente.

     Na segunda-feira Chalev trabalhou fora da repartição, procurou seus contatos, trocou informações com colegas da federal, falou com o pessoal de serviço de informação do exército da PM e foi até o presídio sondar os carcereiros. Voltou para a repartição apenas na quinta-feira à tarde, depois das quatro da tarde.

     Ayshane Ivannievhen cumprimentou Dhror com um envelope em mãos. Estendeu o braço e entregou o envelope azul fechado com uma linha e escrito na frente: “confidencial”. Ele agradeceu e seguiu para sua mesa. Havia fotos de uma mulher assassinada, de cabelos loiros, estatura mediana, esmalte de cor café, calça jeans surrada com rasgos nos joelhos e próximo da virilha.

     O laudo médico emitido pelo IML declarava que a vítima havia sido assassinada por volta das 22 horas, tinha vinte quatro anos, que a mesma fora sedada e não sentiu dor, sob o efeito de um forte composto de flunitrazepam, ácido gama hidroxibutírico e cetamida. O assassino drenou praticamente quase todo o sangue do corpo da vítima. O nome dela era Hiranur Almeida Akkar foi encontrada sentada em uma cadeira com as pernas cruzadas, os braços descansando sobre os joelhos, bem vestida e maquiada.

     Chalev dhror da Silva olhou para todas as fotos longamente, uma a uma, depois as fotos do quarto, em seguida para as fotos das repartições da casa. Leu todo o relatório da perícia minuciosamente e comparou este com o Termo circunstancial de ocorrência, os relatos dos vizinhos e das pessoas que a conhecia.

     Chalev juntou tudo que estava sobre sua mesa de tampo azul e colocou dentro do envelope. Pegou a chave da viatura que encontrava desocupada no momento, um Hyundai 3.0 preto placa fria POL 0001 ano 2017 que foi tomado de um traficante da região, e seguiu para o local do crime.

     Entrou na casa e lá permaneceu por um longo período de tempo, comparava as fotos com o local, olhava de forma despretensiosamente, mas estava totalmente absolvido naquele momento. Concluiu num primeiro momento que a mulher passou a maior parte do tempo deitada, o banheiro muito limpo, deduziu que o assassino limpou para esconder vestígios. A cortina ainda cheirava pano novo, então foi colocado no dia da execução.

     Passava das nove horas da noite, Chalev resolveu voltar para a delegacia, deixou o carro na garagem, abriu a porta e entrou, todos já haviam ido embora, sentou na sua cadeira estilo poltrona e virou para a mesa, quando de repente, uma forte intuição lhe fez se manter o mais calmo possível e vigilante.

     Lembrou de imediato que a porta estava destrancada, a porta sempre é fechada a chaves por quem sai por último, e o sistema de segurança tranca a porta a cada cinco minutos, mesmo se a mesma estiver destrancada independente do horário. Ao lado de seu pé esquerdo havia uma foto, mas como? Dhror havia recolhido todas! Em seguida, percebeu que havia mais alguém no prédio. Deduziu que quem lá estava, se mantinha quieto e lhe observando, acreditava, talvez, que Dhror não o havia percebido.

     Lentamente, Chalev pegou a foto que se encontrava próximo ao seu pé, com uma mão no coutre e com a outra mão, pegou a foto no chão e viu que era da vítima. Atrás da fotografia havia algo escrito a lápis.
metrom - 9-6-22-25-19-2 (20) <25>23 I
 
       A noite já tinha sido vencida pela madrugada, as nuvens impediam qualquer pretensão de alguma estrela ou da lua alumiar algum ser vivente com seus fachos de luzes.

  Uma sombra densa, pesada e silenciosa, deslizou fugaz e despretensiosamente para a direita do investigador, passou para os fundos do departamento e seguiu para o pátio da delegacia.

     Chalev com os nervos à flor da pele, observava o vulto deslocar suavemente, sob controle, agachou, sacou a arma e liberou a trava de segurança, mantendo o corpo curvado próximo da parede, seguiu para a porta da frente, deduziu onde estaria aquela sombra que vagueava pelo prédio.

      Levantou o mais rápido possível e descarregou sua Pistola Taurus PT838 - .380 ACP, carregada com projétil ponta oca, própria para impacto. Descarregou a arma disparando dezoito tiros, acertou todos em um tambor a sessenta metros de distância.