(Imagem Google)


 
E-VIDÊNCIA
 





 
O cheiro suave de almiscar  que exalava  do porta incenso, ao lado  de uma bola  de cristal de quartzo, sob uma toalha vermelha, velas coloridas e cartas de um baralho cigano Lenormand, conferia  àquele ambiente esotérico um cenário mágico  e místico. 

Soraya olhava intensamente para aquelas duas moças  assustadas, sentadas em frente à ela  e não pode deixar de esboçar um sorriso enigmático, e ao mesmo tempo discreto, e quando  a sua voz  suave soou  aos ouvidos delas, o som que serpenteou o ambiente, envolveu-as num clima de mistério  e suspense.

Carla já estava arrependida  de ter aceitado fazer companhia à sua amiga Francine  quando esta lhe falou daquela famosa  vidente e cartomante  e já ia se levantando da cadeira quando a amiga lhe segurou a mão, como que lhe pedindo ajuda. Francine, na verdade, estava também receosa do que poderia  ouvir daquela cigana  mas  a sensação de  estar ali era tentadora e ela não iria perder aquela chance de desvendar o seu futuro.

A sessão começou. Soraya pediu à Francine que cortasse o baralho em dois montes, com a mão direita, e foi colocando carta por carta sob a mesa, enquanto decifrava o significado de cada uma delas. Francine agora estava mais à vontade e se divertia com os prognósticos da cigana. Carla  não estava atenta à consulta  e torcia para que a sessão terminasse logo pois queria sair dali o mais rápido possível.  Por vezes sentia um arrepio correr-lhe o corpo e um suor frio  deixava suas mãos úmidas , sensação esta que nunca havia sentido antes. Atribuiu  a isso ao fato de estar tensa e procurou relaxar observando cada  objeto daquela  decoração esotérica do local . Alguns detalhes lhe chamavam a atenção e chegou até a  sentir  uma  certa simpatia pelas  figuras  emolduradas  nas  paredes.

Não soube precisar quanto tempo ficaram ali, mas quando a consulta terminou, ela foi logo se despedindo da cigana e se dirigiu à porta de saída. Soraya, porém, a fez parar, perguntando-lhe se ela também gostaria de saber algo sobre o seu futuro. Carla foi incisiva, disse-lhe que estava ali apenas para fazer companhia à amiga e se Francine estava satisfeita, elas já poderiam ir embora. Não queria ser indelicada mas não acreditava em previsões de futuro, embora respeitasse o direito daqueles que acreditavam, como a sua amiga Francine.

Soraya era  mesmo sensitiva e insistiu  no convite,  indo contra as suas  regras de trabalho. Não sabia por que mas sentia que precisava fazer aquilo e sabia também que estava acompanhada de alguma entidade especial, que conduzia a conversa:

- Você não gostaria de saber se vai se casar?
- Obrigada, mas eu já sei a resposta.
- Não gostaria de ver seu futuro marido na bola de cristal?
- Eu já conheço meu futuro marido, sou noiva e vou me casar daqui a um mês.
- Mesmo assim, acho que deveria fazer essa consulta.
- Eu agradeço mas acho isso desnecessário.
- Eu não vou lhe cobrar nada por isso, apenas estou seguindo a minha intuição.

Francine, então, resolveu interferir na conversa e insistiu com a amiga e esta, vencida pelo cansaço, se rendeu à sua súplica e voltou à mesa, agora como consulente.

A luz da sala de repente apagou e o ambiente ficou  na penumbra, apenas aquela pequena bola brilhava como se luz viesse de dentro dela.

A cena que se seguiu foi, no mínimo, impressionante: podia-se ver na bola de cristal a figura de um homem,  ainda muito jovem,  bonito, com um sorriso encantador. Vestia-se com requinte e  segurava nas mãos as rédeas de um bonito cavalo de raça.

Carla achou aquilo tudo muito surreal, sorriu e olhando, nos olhos, de Soraya, disse-lhe:

- Não sei como fez isso, mas não conheço esse homem e não é  o meu noivo com quem vou me casar daqui a poucos dias.

Soraya nada disse, apenas deu-lhe um sorriso, tão expressivo quanto o seu olhar,  e segurando-lhe as mãos, despediu-se dela, desejando-lhe sorte e felicidades.

Carla saiu dali e não mais pensou sobre aquele episódio e nunca mais tocou no assunto, nem mesmo com Francine, mesmo porque tinha mais com que se preocupar, pois seu casamento se aproximava e haviam ainda muitos detalhes a serem trabalhados para que tudo saísse perfeito. Carla amava Eduardo e os dois haviam se conhecido quando crianças, estudaram juntos,  tinham muito em comum e sonharam  com esse casamento desde a infância.

Tudo corria bem entre o casal e os preparativos para o grande dia, quando a felicidade seria completa.

Oito dias faltavam para o casamento...

O mundo de Carla caiu, desabou, e levou com ele seus sonhos, seu amor, sua felicidade. Eduardo sofreu um acidente de carro quando voltava de uma reunião de negócios, a aproximadamente noventa quilômetros de casa. Chovia muito e o veículo que dirigia aquaplanou, fazendo com que ele perdesse o controle da direção, batendo, inevitavelmente, contra a mureta da pista. Teve morte instantânea...

Carla, a partir daí, deixou-se levar pela correnteza  da vida, sem perspectivas, sem sonhos, sem motivação  para sorrir, apesar de todo o esforço da família e da amiga Francine, que sempre estava presente em todos os momentos de crise da amiga,  oferecendo-lhe o ombro  e chorando com ela , quando lhe faltavam palavras para consolá-la.

O tempo passou, mas não a saudade que Carla sentia do seu amado, embora já tivesse voltado às atividades normais. O que a ajudou foi a sua espiritualidade, sua fé e sua crença  na vida após a morte e a certeza de que Eduardo estava feliz, onde quer que estivesse e ela acreditava que era em um bom lugar.

Assim os anos também se passaram... um, dois, três, quatro, cinco, dez, vinte...e Carla  continuava só, não que lhe tivesse faltado pretendentes, mas, sempre que aparecia alguém interessado, vinha à mente de Carla a figura do homem que a cigana lhe mostrou na sua bola de cristal e não era nenhum deles.  Achava isso ridículo mas, intimamente, queria acreditar que ia encontrá-lo, embora isso fosse contra todos os seus princípios. Aquela cigana, talvez, a tivesse enfeitiçado, pensava,  e mudado o seu destino. Recusava-se a pensar assim, mas sem saber por que, recusava também todos  os pretendentes, porém, nunca revelou a ninguém os motivos da recusa. Esse era um segredo seu e de Francine.

Martin, um franqueado da empresa em que ela trabalhava,  porém, não desistiu de cortejá-la e, após muita insistência dele, ela decidiu que lhe daria uma chance , pois  já estava  cansada de esperar por alguém que existia somente na sua mente e provaria a si mesma que os prognósticos da cigana manipuladora de mentes estavam errados , desmistificando, assim, o poder do ocultismo.

Contrariando todas as expectativas, a convivência com Martin foi a experiência mais feliz que Carla  já havia vivido, até então. A cada dia junto dele ela descobria afinidades, semelhanças  e  mesmas preferências. Era um relacionamento maduro  e o nível de entendimento entre eles era tão grande que parecia que já se conheciam  de outras vidas. Descobriram, juntos, que o que sentiam um pelo outro era amor verdadeiro e decidiram vivê-lo intensamente, como companheiros, marido e mulher.

A cerimônia foi linda, como Carla sonhou, um dia, que seria. A recepção foi para poucos convidados, familiares e amigos, num ambiente aconchegante e bem decorado. A festa estava animada até que o DJ foi interrompido por Dulce,  irmã de Carla, dizendo  ter uma surpresa para o casal. Todos se sentaram para assistir ao vídeo que a irmã havia preparado com as fotos do casal, sem que os dois soubessem.

Fotos de Carla, desde o seu nascimento e as fases mais marcantes e felizes da sua vida, foram exibidas e em seguida as de Martin, depois seguiriam dos dois juntos desde o dia em que se conheceram, com  momentos também  marcantes do casal.

Carla, em dado momento, ficou paralisada. No telão, agora estava estampada a foto de um jovem, bonito, com um sorriso encantador, vestido com requinte, que segurava nas mãos as rédeas de um bonito cavalo de raça. Era ele, Martin, o homem que a cigana previu que casaria com ela, agora muitos  anos mais velho, mais maduro e por isso não o havia reconhecido.

A profecia havia se realizado...Carla, emocionada, abraçou Martin e lágrimas caíram de seus olhos. Martin não entendeu a reação da esposa, queria saber o motivo da sua emoção mas sabia que aquele não era o momento, então, segurando-lhe o queixo, levantou sua cabeça e secou-lhe as lágrimas com um doce beijo de cumplicidade e amor.

Lembrou-se, então, de Soraya e agora podia entender aquele sorriso tão expressivo quanto o seu olhar.


"O amor não é cego, ele é clarividente. Corremos atrás de
 uma imagem, um rosto, um corpo, um alguém com as características do perfil traçado e não percebemos que ele chega a seu tempo, inesperadamente, e o coração nos surpreende deliciosamente com esse presente!"
Lucia Moraes 




 
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Lucia Moraës
Enviado por Lucia Moraës em 02/04/2017
Reeditado em 05/06/2019
Código do texto: T5958834
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