DESENHOS VITAIS
Romero Luiz foi desenhista em quadrinhos a vida inteira, mas criava à noite a sua própria história infantil. Uma narração comprida e sem fim sobre as viagens do Sr. Lobo e seus filhos lobinhos. A obra nunca vendeu, mas a aventura sempre prosseguiu, pois Romero sofria de insônia e os desenhos atenuavam a vigília. Romero precisava também desenhar para dormir. Precisava também tirar algumas dúvidas existenciais que eram esclarecidas através das gravuras daquela família.
A viagens de avião do Sr. Lobo e filhos eram voos estranhos. As aterrissagens sempre ocorriam em cidades perdidas no topo do mundo. Mal se identificava a última, a aeronave descia e alguém da localidade visitada logo morria. Tal morte deixavam perplexos todos os moradores da cidade, pois o morto antes de morrer parecia ter descoberto algo ainda mais luminoso do que a origem de todos os lugares e morrera para ser impedido de contar o segredo. Os moradores diziam coisas:
-Ele estava há pouco conosco... agora sabe muito mais. Sua prótese dentária total agora parece rir de nós como vocês deste avião.
A família Lobo logo partia.
Romero Luiz gostava de desenhar histórias da família Lobo. Gostava principalmente do filho caçula do sr. Lobo. Este filho surgia afirmando que todos os seres foram criados por um Deus diferente, um Deus em sintonia com o avião do pai e as nuvens violetas ao redor da aeronave. Romero Luiz meditava sobre este personagem. O menino, o desenho do filho menor do senhor Lobo, percebia que o tal Deus queria mudar diariamente a cabeça das pessoas, embora não mantivesse uma coerência de propósitos como todos os criadores.
Na opinião do menino, o Deus por ele imaginado era extremamente possível. Poderia até ser uma entidade colorida que permitiria o surgimento de novas aquarelas se todos os homens pudessem conceber o sentido verdadeiro das peças do mundo.
O menino não era apenas o desenho de um personagem - talvez fosse o alter ego do próprio Romero Luiz – e revelava até um curioso estilo musical quando declarava ao pai, o senhor Lobo:
- Papai, é preciso saber retornar como um modo de continuar a existir. É necessário ser substancial e se o objetivo for voar é preciso alegria.
Quinta-feira dia 21, o desenhista Romero Luiz foi hospitalizado com uma doença psiquiátrica grave. Os seus personagens quiseram avisar. Não conseguiram.
DO MEU LIVRO:"TOUROS EM COPACABANA"