ESCURIDÃO

Eu sei que não será fácil, mas tenho que tentar, afinal de contas se assim não o fizer nem eu, nem ninguém saberemos do que realmente se trata.

O problema é que está muito escuro aqui dentro. Se ainda estivesse fumando poderia fazer uso de um isqueiro. Esta é a hora em que me arrependo de ter largado o cigarro, droga!

Tenho que manter a calma. Um passo por vez, bem curto. Vou abrir os braços bem devagar e tentar com a ponta dos dedos encostar em alguma parede ou móvel qualquer. A escuridão é tão densa, mas tão densa que tenho a nítida sensação de poder tocá-la. É angustiante o negror do ambiente a sufocar as minhas narinas, intumescer os meus olhos, tampar os meus ouvidos.

Outra coisa estranha é o silêncio. Ensurdecedor. Não escuto absolutamente nada! Nem meus passos. Aliás, sinto estar pisando na própria escuridão, não sinto o piso duro sob meus pés. Caramba, que coisa esquisita?! Este lugar parece nunca ter conhecido a luz, da forma como a escuridão está nele impregnada!

Não consigo lembrar em como cheguei até aqui?! Talvez por conta dos apagões de consciência que já sofro há alguns anos. No início, esporádicos, depois por um tempo sumiram para voltarem agora mais frequentes a ponto de ter sido obrigado a retornar ao neurologista e a me submeter novamente a exames incômodos, cujos resultados só ficarão prontos daqui a uns dez dias. Até lá só dúvidas com relação à minha cabeça!

Continuo caminhando lentamente no meio do nada. Nenhuma parede, nenhum móvel! Só a escuridão que começa a me sufocar, de verdade!

A respiração fica mais difícil. O avançar, também! Caramba!!! O que está acontecendo??? Tento gritar por socorro, mas a voz que sai de minha garganta é aspirada imediatamente para dentro da escuridão, como uma grande boca escura engolindo tudo. Uma nova tentativa de grito é aspirada pelo negrume total. Luto contra o desespero. Tento com todas as minhas forças manter a calma e o raciocínio.

O caminhar cada vez mais difícil, a escuridão, um obstáculo sólido! O cansaço toma conta das pernas. Perco rapidamente as forças e a vontade de ceder à escuridão é grande. Quero parar, mas algo me diz para continuar tentando ir em frente!

Com muito esforço empurro a perna para mais um passo diminuto, quase imperceptível. Depois, outro e outro. O tempo é uma eternidade entre um passo e outro. Sou guiado pela própria escuridão.

Penso num pequeno ponto de luz. Concentro-me neste pequeno ponto de luz com toda a força que me resta. Esqueço dos passos e foco todo o meu pensar neste pequenino ponto de luz. Pouco a pouco ele vai crescendo ao longe. Lentamente, ponto por ponto, vou imaginando. A luz vai rasgando a escuridão que começa a mostrar suas bordas.

Meu pensamento renova-se na luz que se amplia agora não tão lentamente. A luz invade o espaço como se através de um tubo. A escuridão agora luta por sua sobrevivência! O tubo aumenta de diâmetro e a luz passa irresoluta por ele desaguando à minha frente. Enxergo pela primeira vez a minha mão direita, depois a esquerda.

Começo a me ver novamente. Imagino vozes incompreensíveis, muitas vozes.

O silêncio perde espaço para um barulho que aos poucos vou conseguindo separar. Buzinas, vozes, rádios.

Consigo ver uma outra mão que não a minha chegando perto de meu peito, apalpando-o. Uma explosão de dor faz contorcer-me fortemente. Jogo para fora através da boca, em espasmos como um afogado, pedaços da escuridão que haviam invadido o meu corpo.

Percebo outras mãos e braços sobre mim. Diviso rostos aliviados chamando-me pelo nome. Uma máscara de oxigênio é colocada sobre o meu nariz e boca. Uma golfada de ar gelado percorre o meu esôfago e inunda o meu cérebro, trazendo-me conforto, em grande alívio.

Pessoas ajoelhadas ao meu lado. Escuto outras vozes em preces agradecidas a Deus. Não sei quem são essas pessoas e como elas entraram em minha imaginação.

Imaginei um pequeno ponto de luz e até onde chegou a minha imaginação, a escuridão se fora por completo.

A claridade irradia a luz do sol. Muito movimento e sons de todos os tipos ao meu redor. Como é bom poder sentir novamente o chão duro que serve de colchão ao meu corpo estirado.

Mãos firmes agarram meus braços e pernas e colocam-me sobre um tipo de maca. Sou levantado a quase um metro. Flutuo por alguns segundos até ser colocado num interior totalmente iluminado do que parece ser uma ambulância.

Agora é a luz brilhante forte que inunda o ambiente. Mas, palavra, não me incomoda em nada. Ao contrário! Tudo o que quero neste momento é luz, muita luz, luz para sempre!

O veículo começa a se movimentar. Sou jogado levemente de um lado para o outro dentro daquele espaço iluminado. Alguém está aqui falando comigo e mexendo em alguns aparelhos ligados ao meu corpo.

Uma sirene foi acionada!