João Guaiana

João Guaiana era como chamavam a um João, que viera de Formosa dos Couros de Goiás, e se instalou, de caridade, no distrito pitanguiense da Abadia no ano de 1925.

Sua história, que repetia com freqüência aos eventuais interlocutores foi captada e transmitida por Zacarias Corgozinho, cronista da terra, em sua instigante memória Minha terra, minha gente.

João nascera no relativo fausto de família abastada de fazendeiros de Formosa dos Couros e, filho único desfrutou do aconchego até 1875, quando tinha 15 anos e que perdeu tragicamente seus pais, aparentemente vítimas de um pacto passional.

Só no mundo, foi parar na casa de um fazendeiro que, após acolhê-lo iniciamente como agregado, reconhecendo-lhe os méritos do trabalho e da confiança, terminou por vê-lo feito esposo de sua própria filha.

O casamento rendeu frutos esperados e não esperados. Filhos saudáveis por um lado, e dívidas crescentes e impagáveis originadas do vicio do jogo.

Encurralado e ameaçado de perder a única propriedade de que dispunha para a liquidação das dívidas, João foi mordido pela cobiça da súbita fortuna de um sitiante de nome Virgulino da Chapada que ganhara quinze contos numa loteria e que, cercado de amigos e curiosos festejou o golpe de sorte.

A saída de Virgulino do festejo, de volta para a casa, de posse de sua súbita riqueza, teve trágico desfecho numa emboscada que João lhe fizera. Três porretadas na cabeça e estava liquidado o nouveau-riche e para as mãos de João passada toda a fortuna.

João incriminou três irmãos vizinhos junto à Polícia. Tão lancinantes foram as torturas, que incluíam até a enfiada de ferpas de madeira sob as unhas, que os rapazes admitiram a autoria do crime.

Embora tendo liquidado suas dívidas com o máximo de discrição, João não deixou de despertar dúvidas atrozes em sua própria mulher que passou a detestá-lo e daí à revisão do julgamento dos 3 rapazes foi um pulo. Consequentemente, João pegou 30 anos de cadeia, porquanto os indefesos e injustiçados três irmãos ganhavam a liberdade, após um ano de severa e cruel pena. E para a agravar sua dor, acharam já mortos os pais de puro desgosto com a tragicidade dos acontecimentos.

O que pegou, João pagou. Sem um dia de remissão. Libertado da prisão, na capital goiana de então, buscou pelos familiares, que nunca mais viria a encontrar.

Perambulando mundo afora, a partir de Goiás, errou pelo noroeste de Minas, Unaí, Manga, Patrocínio, até vir dar na Abadia, onde alma pia o acolheu e lhe providenciou um modesto barraco para passar seus dias finais - que seriam de 5 anos. Envelhecido e alquebrado, vivia de contar sua tragédia, até que uma ferida braba na perna, deu-lhe cabo da trágica e infeliz existência.

Paulo Miranda
Enviado por Paulo Miranda em 09/10/2016
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