O Morto

No cemitério retratava-se um momento insólito,e bem particular.Ouvia-se as copas das árvores serem sacudidas pela breve,porém,ríspida brisa da noite.A lua cheia brilhava-no mínimo despertava a paixão nos enamorados-com rara delicadeza,como a do mais sensível artista,talvez,Degas-com a sua maestria inconfundível com cores,luz e sombras,mais pinceladas delicados.Os amantes das coisas que assustam pensariam em vampiros e lobisomens.Almas penadas e castelos malassombrados. Talvez,Van Gogh interferisse com a sua inspiração caótica e surgisse do nada uma obra desprovida de áurea- ja que todos têm o mesmo destino: a morte.Seja ela,boa,ou má.Suave ou terrível.Sossegada,ou um tormentosa-como os enfermos,que passam anos a fio definhando,nas dores de um mal incurável-como o câncer,a AIDS,e outros males inenarráveis.

A cova era simples,numa região destinada aos pobres da cidade.Uma lápide de cimento cru,com uma foto ostentada por uma moldura de madeira vulgar e pintada com uma tinta vagabunda-o tempo,logo a corroerá.Algumas flores murchas repousavam,no solo úmido-efeito de um breve chuvisco, e é claro,do orvalho da noite.

-Nossa.Não imaginava que seria assim...

Soou a sua voz,entoada num tom breve,invulgar.Uma breve sinfonia articulada sem a ação retumbante das suas cordas vocais-falou,como se pensasse alto,falava para si,mesmo.E,para sua surpresa,ouviu em ar de deboche a seguinte observação:

-Não sabia,ora...Normal,no geral ,ninguém sabe de nada.Morre-se,e acorda-se,com grande surpresa,vivo. Até mesmo com os grandes Faraós foi assim.Até Zeus, debochada de todos.

Gargalhadas pipocaram por entre as tumbas,que estavam em semi-penumbra no cemitério.A chuva fina retornava e o vento frio dava sinal de vida.As copas das árvores desenvolviam uma sinfonia sinistra-deixando o ambiente mais assustador. Nuvens cincas encobriam as estrelas.A lua cheia perdia a sua graça.

-Os vermes passeiam pela pele,músculos e nervos.A tudo devoram numa orgia repugnante,censurável.Perco o que me pertencia,com total desarmonia na defesa do material que me sustentava neste mundo.Sinto os vermes devorando-me.Picam-me...

- Nada temos.Engana-se.O que perde foi lhe emprestado.Agora está sendo devolvido à natureza,ao Universo.Não se esqueça que Deus criou todas as coisas-e é o proprietário de tudo.

Ele olhou mais uma vez para as dependências do cemitério.Checava cada lápide,túmulos e até mesmo as estátuas dos anjos que ali pousavam de guardiões das almas dos mortos.Não estava acostumado com aquele desfile sombrio de almas desfilando pelo cemitério.Alguns sentindo as últimas dores-sintomas físicos e as dores morais da morte.Outros praguejavam contra Deus,ou contra os seus líderes religiosos.Eram revoltosos-almas penadas,que acreditaram que a morte seria um alívio-um encontro rápido com Jesus, Dalai Lama, Ala,Krishna,Buda ou Deus.

-Não suporto mais ter que ficar ao lado de minha cova sentindo as picadas dos vermes a devorarem-me no ciclo macabro. Isso é insano,cruel,sinistro.O que faço aqui....Eu não sei.Eu morri-quero o meu descanso eterno. Sempre acreditei que a morte seria o fim da vida.

-Deixe-me lhe falar algo.Coisa bem antiga,do passado dos homens.Desde a antiga Grécia,e na Roma.Na mesopotâmia.No antigo Egito que o homem acreditava,ou pelo menos pregava que havia a vida após a morte.Era comum que levasse para os seus ricos túmulos os seus pertences,e até mesmo uma estátua que lhe servisse de novo corpo.Sabia que o tempo e os vermes lhe comeria a última veste de matéria densa,e frágil-que envelhece,adoece e morre.

-Mas,eu estou morto...

-Não,está vivo.

-Como pode me explicar isso...é bizarro...

-A vida é eterna.Não morre o homem,apenas troca de corpo.

- Os vermes devoram-me.Sinto as suas picadas,com repugnância.Uma agonia desmedida. Acho que vou enlouquecer.

- O seu espírito materializado encontra-se ligado por fios etéreos ainda ao seu corpo morto,então as sensações migram para a essência do seu ser.Terá que aguardar que devorem o seu corpo por inteiro,então estará liberto e trilhando uma nova guinada na sua existência no Plano da matéria Quintaessenciada. Uma explicação bem científica,por sinal.

O vento não dava uma trégua.Continuava chovendo. Bailavam as copas das árvores,de forma insistente. O ambiente do cemitério era sombrio,assustador.O momento era insólito,como uma tela pintada por Frida Callas ao retratar um momento comum da vida:morrer um dia,como um Faraó- e acordar no cemitério descobrindo que não se morre-e que os pertences da vida material,como a estátua que fora preparada para servir ao Faraó ,como um novo corpo,é um objeto inútil,fadado a ferrugem-e que talvez,possa servir de objeto de estudos histórico-científicos para a humanidade das antigas civilizações que habitaram no antigo Egito,Roma,Grécia,e até na Mesopotâmia.E,talvez será mero tema para um seminário estudantil numa faculdade qualquer pelo mundo-nada além.

.

Leônidas Grego
Enviado por Leônidas Grego em 03/09/2016
Reeditado em 07/09/2016
Código do texto: T5749415
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2016. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.