Mais um dia no paraíso

Mas um dia amanhece na montanha do inferno. Os primeiros raios solares estão chegando e mais uma vez me despeço de uma noite mal dormida. Mal dormida, quem me dera!Não preguei os olhos nem um só minuto. Quando cheguei os sonhos começaram. Sangue, torturas, gritos insanos e pedidos infinitos de ajuda.

“Elvira,vá ver um doutor, Você precisa de ajuda”. Ele diz!O idiota do Zander acha que tudo na vida é muito fácil. Queria largar tudo isso. Entrar no carro que era do meu pai e descer sem rumo, penso em cortar meus freios. Quem sabe assim tudo isso não termina. Minha intuição diz que tudo vai piorar, eu gostaria de estar errada e como eu gostaria!

Todos dizem que o amor conserta tudo. Mas, o amor está me matando. O que me prende aqui são eles dois. Eu entendo o Zander.Ele tem dado tudo de si para melhorar as coisas e Biorn...Pobre Biorn. Está se esforçando mais do que todos para manter a sanidade. Ele tem que aprender de uma vez por todas se trancar no quarto não espanta o que tem por aqui.

Estou sem fome. Zan fez ovos com bacon e pão caseiro. Eu não comia essas coisas no café da manhã quando estava na cidade, mas ele acha que estou emagrecendo. Diz que preciso de energia se não vou adoecer.

Ele não percebe. Eu não consigo comer e, além disso, definhar pode ser a única saída que tenho.

Vou ao mercado comprar vodka, olho pra eles e tenho vontade de vomitar. Decido me segurar porque não posso vomitar o pouco que comi.Todos querem minha carne,meus desejos e meus pecados.Estão esperando a minha engorda para me sacrificar.

Minhas ressacas são freqüentes. A bebida me deixa um pouco anestesiada. Às vezes desmaio após o almoço. Acordo quando Zander chega das aulas. A noite parece que tudo se torna mais denso, eu fico de prontidão. Quando eu não continuo escrevendo eu só deito na cama e espero alguma coisa desastrosa acontecer. Antes eu não dormia para não sonhar, mas agora não durmo porque não posso. Qualquer noite desses eles virão com as tochas.

Virão queimar nossa casa.

Não quero morrer pelas mãos deles.

Morrer é um luxo que eu devo dar a mim mesma.

Vou ao banheiro à noite. Vejo no espelho, meu pai chorando, me pedindo perdão. Ora tem sangue nos olhos dele, ora não. Agora compreendo o porquê ele sempre me pede perdão.

Eu deveria ter ficado na cidade. Lá era quente como o próprio inferno, mas aqui, estou presa. Nunca sei o que fazer ou dizer. Tenho medo de matarem a mim também.

Eu sei que foram eles. Eu sei... Pobre Diana.

Agora compreendo porque ele não descansa. Seis meses que ele se foi. Seis meses de inferno para mim.

À noite eles me vigiam. Ouço seus movimentos perto da minha janela. Mexem na maçaneta da minha porta. Dão risadas do meu pavor.

Uma noite, pegaram no tornozelo do Biorn tão forte que a marca não saiu até hoje. Isso já faz duas semanas que aconteceu.

Ele não quer me dizer o que houve, sempre começa a falar da nova escola ou me pergunta se estou escrevendo. A marca roxa quase negra em seu tornozelo me diz tudo.

Pergunto-me como ele ainda consegue dormir. Hoje vou dormir com ele. Vou proteger meu irmão o quanto eu puder. Tenho medo por Zander, mas ele não acredita muito no que vê ou sente. Sorte a dele. A mente ainda está equilibrada. Isso não significa que esteja intacta.

Ele está satisfeito. Os alunos o adoram assim como um dia os meus me adoraram.

Os vizinhos gostam dele por ele ser prestativo. Mas me odeiam porque eu disse um ‘não’ a eles. Eu ainda estava de luto, não tinha cabeça para reuniões na casa dos vizinhos entediantes com suas roupas combinadas e jóias de família nos pulsos e pescoços.

Na verdade. Não eu não faria isso nem se eu tivesse feliz aqui. Eles não lêem livros ou jornais e nunca assistem ao noticiário. E Principalmente.Não se escuta nem uma crítica ao governo atual.Isso é um soco no fígado de quem veio de uma cidade onde alguns gritam e protestam.

Vivem completamente a parte na sociedade. Não conhecem nenhum filme.

Eu sei. Viver em sociedade é algo extremamente negativo. A maioria das pessoas perde sua individualidade. Por isso vivo sozinha o máximo possível. Quer dizer, vivia. Tenho identidade. Eu amava isso. Já eles parecem mórmons. Seus filhos não vão à universidade e o único lugar de socialização fora da igreja é o bar da cidade.

Não podemos fazer parte de uma massa ignorante, informação é essencial. Não sei como conseguem sobreviver desse jeito.

Hoje completam três dias que não saio de casa.

Minha vodka e os cigarros se acabaram.

Vou esperar Biorn chegar. Preciso de companhia.

Vou tentar cozinhar hoje. Um belíssimo fricassê de frango. Espero não desmaiar em cima dele.

Chega de convites para ir ao culto. Eu não vou suportar mais. Tenho vontade de ir só para ver o que eles fazem naquela igreja a portas fechadas.

Todas as noites. Meu estômago dói, quando os vejo entrando ou saindo de lá.Olho pela janela e vejo a cruz no topo da igreja e me arrepio dos pés a cabeça como se ela fosse uma prova que as coisas não vão melhorar para mim, nem pro meu namorado e muito menos pro meu irmão.Tenho um medo desgovernado dele perder a juventude nesse lugar.

Sim. Estou ficando mesmo doente. Algo está realmente saindo do controle.

Talvez tudo isso faça parte de uma realidade que só existe a meu ver. Mas é tudo tão consistente. Não acredito que Biorn tenha feito aquela ferida sozinho. Ele nunca foi de se mutilar, não iria começar agora por mais desesperado que esteja.

Eu e meu irmão sempre vamos acreditar um no outro não importa o que aconteça. Por pior que a realidade se torne.

Somente isso nos mantém de pé.

Porém não consigo prever até quando isso vai acontecer.

Hécate
Enviado por Hécate em 15/08/2016
Reeditado em 15/08/2016
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