ESTRANHA CRIATURA
Era noite, a chuva colidia com o vidro do carro e assustava-nos com seus relampejos e trovoadas. O motor do táxi havia parado de funcionar enquanto cruzávamos uma estrada de terra circundada de mato alto. Estávamos perdidos, eu e ela.
Dentro do carro acendi minha lanterna, a que sempre levo no porta-luvas. Era improvável receber ajuda naquele momento, pensei.
Não havia qualquer sinal de atividade humana, talvez fosse seguro permanecer ali enquanto nos mantivéssemos calados até o cessar da tempestade.
Ao menos isso eu pensei, já a garota, apavorada, não desistia de tentar realizar uma ligação. Era óbvio que o sinal da operadora não alcançava aquela região.
- Podemos tentar seguir em frente? – perguntou ela, com tom de misericórdia na voz. Eu, incomodado com toda aquela agitação a questionei.
- Por que está tão desesperada? É apenas uma chuva, você disse que não estávamos longe, e apanhei um cigarro.
- E não estamos – ela me interrompeu, mas este caminho é perigoso. E não pode fumar, irá chamar a atenção dele.
Sobre quem, em meu vicioso ato de fumar, essa garota referia-se quanto a chamar a atenção em um ambiente tão inóspito? Olhei ao redor a procura de alguma movimentação, e pude jurar que observei um vulto saltar de um arbusto a outro quando toda a planície verdejante iluminou-se com o lampejo do raio sucedido pelo estrondoso trovão.
- O que foi aquilo? – questionei surpreso.
- Não sei, ninguém sabe… essa criatura assola as fazendas desta região a anos, dilacera o gado e os degola. Essa criatura mata pelo desejo da morte.
Não sei ao certo o que vi, mas com certeza não era algo tão apavorante quanto refletia o temor presente na voz daquela garota, ela entoava cada palavra como se fosse sua última, como se a criatura a ouvisse do lado de fora, mesmo com toda a tempestade rugindo.
- Deve ser algum desses animais que ainda não catalogaram, veja só, estamos no território deles – e a fumaça do cigarro subia e fugia pela fresta do vidro aberto – estamos rodeados pela natureza selvagem, invadimos seu habitat, eles apenas estão procurando comida no lugar…
Não tive tempo de completar minha frase, o vidro traseiro se partira com uma pancada forte. A garota, aos gritos, chamava pelo pai. As sacolas no banco de traz ensopavam-se, o banco se umedecia e o vento gelado invadia o claustro do automóvel.
Pude ver pelo retrovisor a silhueta esguia e pitoresca, escamosa, viscosa e humanoide daquele ser degradante, de olhos grandes e nariz achatado, dentes lodosos e unhas encardidas.
Liguei o motor e pisei fundo no acelerador, desbravando toda a vegetação e não me importando mais com qualquer explicação cientifica.