A MORTE
A avó falecera. Seria a primeira vez que voltaria a Minas desde que se mudara para o Rio dez anos antes. Resolveu ir de moto. Apesar do mau tempo. Antes da partida, ainda bebeu do café da esposa, uma delícia, como sempre, conversaram amenidades. Um beijo nos gêmeos dormindo e apanhou o capacete. No peito, um aperto, uma sensação estranha.
Enquanto galopava o seu cavalo de aço, Christian trazia à mente uma coleção de pequenas memórias, cenas corriqueiras desbotadas pelo tempo. Sentia por Dona Glória, matriarca tão querida, ter um final daqueles. Em cima de uma cama, sem reconhecer ninguém, tremendo-se toda.
A vida é mesmo uma bosta, pensou. Era alguém morrer para aquele vazio tomar conta do seu coração. Christian era totalmente cético, não acreditava em nada. Nem em Deus, nem no Diabo. Nem em anjos, nem em fantasmas. A morte, para ele, o fim de tudo.
Atrasou-se. Chegou ao cemitério no fim do dia. Por causa do frio e da chuva, pouco passara das seis e já era noite cerrada. Uma dor na espinha que irradiava por todo o corpo, decerto cansaço da viagem. Estacionou a moto, a companheira inseparável. Tirou o capacete. O portão da morada dos mortos estava aberto. Um senhor veio atendê-lo.
– Boa noite...
– Boa noite.
– Eu vim para um enterro. Mas, ao que parece, cheguei um pouco tarde...
– O de uma senhorinha chamada Glória das Neves Pedrosa?
Christian estranhou. Não era comum um funcionário de cemitério saber nome e sobrenome de pessoas sepultadas. Outra coisa que o incomodava: o ar sorridente daquele homem, a sua voz quase alegre. O ambiente e o momento, definitivamente, não eram propícios para tanta simpatia.
– Sim, respondeu Christian.
– Então me acompanhe, por gentileza. Ela está na quadra treze, túmulo nove.
Christian se pôs a seguir o senhor. A passos um tanto amedrontados. Assustou-se ainda mais ao notar uma enorme ferida na parte de trás da cabeça do homem. Sangue pisado, enegrecido, com pequeninos insetos pousados e algumas larvas. Olhou ao redor: pelas ruas de sepulturas, nenhuma viva alma. Apenas os dois ali. Sentiu um calafrio, cogitou fugir. Disse, meio gaguejante:
– Acho... melhor... eu... eu... voltar... amanhã. Já está...
– Está com medo de quê, meu caro Christian? Você não veio ver a sua avó? Pois a verá.
E continuaram caminhando.
Até que, de repente, o senhor parou diante de um túmulo e disse:
– Aqui. Aqui está ela. Venha.
Christian foi se aproximando lentamente, trêmulo, o peito arfante. Quando leu a lápide, seu rosto foi tomado por grande espanto e pavor. Pois logo abaixo do nome da avó estava escrito... o seu nome!
O senhor, mantendo o sorriso nos lábios, então falou:
– Sabe que temos uma coisa em comum, Christian? A morte instantânea em acidente de trânsito. Só que, ao contrário de você, nunca gostei de usar capacete.