NOVOS INQUILINOS

É preciso a guerra pra conquistar a paz.

WP - abril/2016

NOVOS INQUILINOS

Após inspecionarem o imóvel o casal aproveita que o corretor se afaste pra fechar uma janela e comentam:

- Então! O que achou?

- Gostei daqui. E depois a gente não tem muita opção.

- Verdade. O prazo pra sairmos do antigo imóvel está se esgotando e não temos muita escolha.

- O problema é o boato que corre por aí.

- Acho que isso não tem muita importância. Mas vou procurar saber mais detalhes sobre o assunto.

O corretor volta e ele pergunta:

- Soube do ocorrido aqui... Pode me dizer como foi tudo?

- Sei apenas o que a polícia apurou. Já era madrugada quando receberam um chamado de vizinhos pra que viessem ver o que estava acontecendo. O cachorro latia muito – diz apontando para os fundos, em direção ao cachorro que os observava com curiosidade – Alguns vizinhos afirmaram terem ouvido barulho estranho naquela noite e o cão não parava de latir. Quando chegaram, a fechadura da frente estava arrombada, foram ao quarto do casal e os encontraram mortos sobre a cama; tinham uma expressão de horror na face. Algumas marcar pelo corpo e perfurações feitas por algo pontiagudo, torturados antes de serem estrangulados. Mas como podem ver já providenciamos a limpeza e uma pequena reforma. Está tudo perfeito agora, sem problemas para alugar.

- Os culpados foram presos?

- A polícia ainda não conseguiu pistas sobre eles.

- Eles? Então são foram mais de um?

- Assim imaginam. O interessante é que suspeitam que a porta tenha sido arrombada por dentro. Pelas marcas na maçaneta por dentro. Como seria difícil alguém ter força suficiente para simplesmente puxá-la, imaginam que alguém a tenha chutado enquanto outra forçava por dentro, sei lá...

- E a chave? Se já havia alguém aqui dentro teria sido mais fácil abri-la.

- Não encontraram a chave.

O candidato a locatário aproxima-se da janela da cozinha e observa o cão sentado nas patas traseiras, observando-os atentamente.

- Ele parece estar triste com a perda dos donos...

- Pelo que soube os donos não gostavam muito dele. Há relatos de vizinhos que testemunham maus tratos ao animal. Um rapaz que mora na casa ao lado é que cuidava dele; e ainda o faz trazendo comida e atenção.

- E porque ele não fica com o animal?

- A cerca é baixa. O garoto afirmou à polícia que já o tinha levado mas ele se recusa a ficar lá. Sempre volta. Acho que apesar dos maus tratos ele deve ter se afeiçoado aos antigos donos.

- De qualquer forma não podemos ficar com ele. Pra ser sincero não gostamos de cuidar de animais.

Uma semana depois já haviam se mudado pra casa nova. O cão continuava lá a observá-los. Era dócil. No primeiro dia não foram ao quintal evitando qualquer contato com o animal. Puderam observar quando o garoto vizinho o alimentava com ração. Este também os observou por alguns instantes, desaparecendo em seguida. No dia seguinte, a mesma cena se repete. À noite o cão se aproxima tentando algum contato com os novos donos. Foi escorraçado pra que não se aproximasse da casa.

- Amanhã vou conversar com esse garoto. Ele precisa dar um jeito nesse cachorro. Não o quero mais em meu quintal – diz enquanto observa o cão.

- Ele parece dócil – responde ela – Mas é melhor que ele suma daqui. Não quero passar o dia limpando sujeira dele.

Ao fechar a janela percebem que esta tem um problema e não fecha direito.

- Amanhã arrumo isso. Tem grade do lado de fora. Ninguém consegue passar por aqui.

Apagam as luzes e vão se deitar. O cão permanece ali, sentado nas patas traseiras, imóvel, apenas observando a casa. Um bom tempo depois já não tem a mesma expressão dócil. Apoiado apenas em suas patas traseiras, seu corpo vai tomando outra forma. Seus pelos são recolhidos pela pele, ficando totalmente sem pelos à vista. Aos poucos assume uma forma humanóide, esguia porém com musculatura definida, mas mantendo a estatura. Os olhos tornam-se vermelhos, suas patas dianteiras possuía agora garras longas e afiadas; um dos dedos na posição de polegar.

- “Não aprendem. Preciso de novos donos”.

Aguarda mais alguns minutos e se aproxima da janela com defeito. Com cuidado consegue abri-la. Seu corpo afina-se, adaptando à espessura da grade, conseguindo passar por ela com facilidade.

Algum tempo depois, já na forma de cão, nos fundos da casa, começa a latir desesperadamente. Alguns vizinhos acendem as luzes, indicando terem acordado. Ele continua a latir.

A polícia chega em pouco tempo e encontram a porta da frente arrombada, como na vez anterior.

Walter Peixoto

Abril/2016

Walter Peixoto
Enviado por Walter Peixoto em 04/05/2016
Código do texto: T5624820
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