No estreito
Próximo à meia noite. Vindo de Pedro II, pois havia ido até a cidade comprar umas coisinhas que estavam faltando em casa. Tempos difíceis. Comprei algumas rapaduras, uns litros de farinha, um pacote de fumo leão e um cento de papilinas trevo. Coloquei tudo em um coufo que havia levado e rumei em direção a minha comunidade Capuamo. Andei quatorze quilômetros na estradinha de piçarra que liga Pedro II a Piripiri, até entra numa vereda que vai até a comunidade Lagoa de Fora. Havia tomado uns goles de pinga, confesso, mas tenho certeza de que quando cheguei ao Estreito, juro que o efeito da bicha, já havia passado. Foi quando comecei a observar aquele vulto estranho na minha frente. Era noite de Lua cheia, mas naquele momento umas nuvens pretas cobriu o céu por inteiro, e não conseguia distinguir que marmota era aquela. Foi então que instantaneamente dei uma freada com as meus chinelos de pneu, que não consegui nem ir para frente, nem para trás. E fiquei encabulado imaginando o que poderia ser aquilo. Contra a minha vontade, tentei me aproximar mais daquele espectro a minha frente, mais motivado pelos pensamentos de que havia deixado em casa minha mulher e meus filhos sozinhos. Cada passo que dava em direção ao sobrenatural, mais meu corpo reagia com calafrios e arrepios que se levantavam todos os cabelos do meu corpo, até os do cu, para ser sincero.
Noite de Lua cheia, pensei logo que fosse um lobisomem, mas o bicho pouco se mexia. Mata fechada. Tornava o ambiente mais assustador naquela hora. Fiquei paralisado por muito tempo, caducando com os meus botões e procurando um jeito de atravessar o caminho. Já havia passado ali muitas vezes, sempre fui muito corajoso, nunca tive medo de andar sozinho à noite. O que me deixou de orelha em pé, foi o fato das pessoas dizerem que no Estreito aparecia assombração. E se aquilo fosse uma assombração, o que ela poderia fazer comigo!
Tomei coragem. Já fazia muito tempo que eu estava ali parado feito um bocó, de cócoras, esperando a assombração ir embora, hora veja só uma bestagem dessas! Parti rumo ao desconhecido. Cada passo que dava meu corpo ia inchando, os cabelos do corpo subindo e o coração a mil por hora, parecia que os meus chinelos de pneus pesavam dez quilos cada um. Foi quando eu estava a poucos metros do bicho, deu aquele vento forte que as árvores todas começaram a uivar. Aí não prestou, não. O bicho começou a fazer mugango em minha direção e eu desembestei no rumo de trás, feito cachorro assustado com mede de onça brava. Nessa hora o medo foi tanto que não sei onde foi ficar a farinha, rapadura, fumo, só restou as papilinas no fundo do coufo.
Quando já começavam a aparecer os primeiros raios de Sol eu ainda todo me tremendo, agora com um pouco de frio também, decidi encarar de vez a marmota que me fez passar a noite inteira feito um abestado sentado em uma pedra, podendo está na costela da minha velha, no soninho das cinco horas da manhã.
Juntei o resto das coisas, coloquei tudo dentro do coufo e parti em direção ao cão dos diabos. Tinha ficado valente, zangado, corajoso que nem a peste. De forma cautelosa fui me aproximando bem devagar para descobrir que marmota era aquela. Fui chegando, chegando, chegando e...
Não consegui acreditar. Passeia a noite toda no meio do mato, por causa de um velho gibão de couro, deixado por um vaqueiro qualquer. Quando cheguei em casa que fui contar para a mulher, ela só não me chamou de gente e disse que eu tinha passado a noite era no cabaré.
Pedro Barros.