Os casacas vermelhas
Numa noite de lua cheia, os quatorze guerreiros sugpiat escolhidos pelo Toyόn Kalliq para constituir as seções 1 e 2 do seu "vsvod" (pelotão), apareceram em público pela primeira vez na praça da aldeia, usando os uniformes ingleses contrabandeados. A princípio, os nativos encararam seus concidadãos com surpresa; depois do impacto inicial todavia, as crianças da tribo, seguidas pelos adultos, começaram a rir do espetáculo. Os guerreiros entreolharam-se e também começaram a rir, entrando na galhofa. Ippolit Tikhonovich, o Toyόn Kalliq, aguardou pacientemente que se cansassem das pilhérias e ergueu os braços, pedindo silêncio. Ao lado dele, Askuwheteau, o intérprete moicano, aguardava para auxiliar o russo, quando o conhecimento dele da língua alutiiq não fosse suficiente.
- Sim, essas roupas são engraçadas... - admitiu. - Mas quem as usa, costuma ser temido pelos outros brancos.
E em francês, para o intérprete:
- Por isso, quando esses outros brancos vierem... e eles vão vir... devem demonstrar respeito por estes homens de uniforme.
Askuwheteau traduziu e as expressões dos nativos começaram a se tornar sérias. Todos já haviam percebido o que estava em jogo ali.
- Se o meu plano der certo, - prosseguiu Kalliq em francês - em uns dois anos teremos um exército de verdade nesta ilha... e a partir daqui, começaremos a organizar a defesa das outras nações no continente.
Os nativos apoiaram a perspectiva com gritos de incentivo.
- Os brancos que virão, - prosseguiu Kalliq - são meus compatriotas, mas o único objetivo que têm em mente é escravizar vocês e saquear as riquezas destas terras.
- E por que não os matamos todos, quando chegarem? - Questionou em alutiiq o chefe sugpiat, Iingalartuliq. Kalliq ergueu os sobrolhos ao ouvir a sugestão traduzida em francês.
- Porque eles são muitos - replicou. - Se matarem esses poucos caçadores que virão, mandarão mais, e melhor armados. Nós teremos que usar de astúcia com eles, fazer com que acreditem que temos a proteção de um rei poderoso... esse, cujos "saltataq" usam casacas vermelhas.
E fez um gesto com a mão para os soldados de tricórnio e mosquete a tiracolo. Depois da tradução, os soldados empertigaram-se e os demais nativos finalmente pareceram começar a compreender a estratégia que o Toyόn Kalliq pretendia utilizar.
- Você pensa como um sugpiat - disse o chefe Iingalartuliq apontando para Kalliq.
- Considere isso como um elogio - acrescentou Askuwheteau ao traduzir. - Penso que agora você finalmente pode se considerar parte da tribo.
- Mais uma tribo para ser membro honorário - filosofou Kalliq. E voltando-se para os soldados:
- Vamos fazer uma pequena demonstração para os parentes... em forma!
"Em forma" era um comando que os guerreiros já haviam incorporado, e rapidamente formaram duas fileiras de sete homens diante de Kalliq.
- Pelotão... ordinário, marche! - Comandou em russo.
Obedientemente, o grupo começou a marchar, afastando-se da luz da fogueira acesa no centro da aldeia.
- Meia volta, volver!
O grupo voltou para o ponto de partida, quando então Kalliq ordenou:
- Alto!
Os homens pararam imediatamente, e Kalliq passou ao lado deles, como se estivesse inspecionando as tropas.
- Ah, com mais uns 1.000 de vocês, já dá para começar uma revolução - aprovou.