Do que você se lembra?

- Do que você se lembra?

Vana pensou um instante antes de responder a Melpomeni. As duas estavam no quartinho que Vana ocupava nos fundos do café, e que estava sendo utilizado pela dita psicóloga para conduzir uma série de entrevistas cujo objetivo era fazer com que Vana recuperasse plenamente a memória.

- Imagens, fragmentos... sensações - disse lentamente. - Eu tinha um trabalho, ao qual me devotava, e que basicamente era cuidar do bem-estar dos meus animais na Savana.

- Certo, você cuidava de animais, mas ainda não falou sobre outras pessoas. Seus pais, por exemplo. Ou se tinha irmãos... ou amigos.

Vana balançou negativamente a cabeça.

- Os animais eram meus amigos... não me lembro de pessoas. Mas com certeza, uma pessoa foi a responsável por eu ter vindo parar aqui.

E com uma expressão dura:

- Quero MUITO encontrar essa pessoa.

- Temo pelo que você poderia fazer com ela - disse Melpomeni que estava sentada na única cadeira do aposento, bloco de anotações e caneta nas mãos, enquanto Vana sentara-se na cama de solteiro.

- Nada muito pior do que ela fez comigo - prometeu Vana. - Mesmo nesse caso, sou contra tirar a vida de uma criatura pensante.

- Certo... mas vamos voltar ao momento em que George encontrou você, pedindo carona na beira da estrada. Tem alguma recordação de como foi parar ali?

Vana pôs as mãos nas têmporas por um momento, como se quisesse concentrar as memórias com aquele gesto.

- Eu sei que tenho uma capacidade de adaptação muito rápida; é como se fosse uma segunda mente trabalhando em paralelo no meu inconsciente - explicou por fim. - Acordei como se tivesse sonhado, e já estava pronta para interagir com o que quer fosse encontrar naquela estrada.

- É como se fosse um mecanismo de autodefesa... subconsciente? - Questionou Melpomeni intrigada, pressionando a caneta contra o queixo.

- Acho que você pode chamar assim - admitiu Vana. - Mesmo que eu não pudesse me defender contra o que quer que tenha me jogado ao lado daquela estrada, esse mecanismo trabalhou para que isso não se tornasse pior do que já era.

- Você realmente é notável, por muitas razões - avaliou a psicóloga, voltando a escrever no bloco. - E talvez possamos tentar acessar esse seu subconsciente para que ele revele quem, afinal de contas, é você.

Vana encarou Melpomeni com uma expressão inquiridora.

- Não sei se essa é, realmente, uma boa ideia - comentou.

- Se o seu subconsciente é capaz de, digamos, preparar você para uma situação totalmente inesperada como ser jogada inconsciente na beira de uma estrada, não crê que ele poderia nos dar as respostas que procuramos? - Insistiu a psicóloga.

- Sim, entendo o seu ponto de vista - replicou Vana. - Mas, como eu disse, funciona como um mecanismo de autodefesa. Se eu ficar inconsciente, não terei nenhuma capacidade de controle sobre as ações dele.

Melpomeni parou de escrever, e Vana concluiu:

- Não vou poder lhe acudir, caso ele a veja como um risco para a minha segurança.

Melpomeni ficou em silêncio, antes de finalmente balançar a cabeça e dizer:

- Eu... compreendo.