ZOIÃO E ZABUMBA UMA DUPLA DO BARULHO
Zoião e Zabumba, dois amigos inseparáveis desde a infância, eram da mesma turminha, estudavam primário na mesma escola, jogavam bola, um sempre na casa do outro, tanto que as mães já os tratavam como filhos também, o que era engraçado é que o Zoião sempre inventava brincadeiras e o Zabumba acompanhava, parece que nas amizades sempre tem um que inventa atividades e o outro acata. Viviam se metendo em encrencas, quando moleques o Zoião deu a ideia de apertar campainha das casas e sair correndo, viviam fazendo isso, mas, uma vez o dono da casa correu mais que eles, e levaram uns sopapos. Tinha o futebol da molecada, que era o famoso vira 5 acaba em 10, ou seja, quando um time faz 5 gols, mudam de lado. Quem fizer 10 gols primeiro, ganha o jogo. O Zoião sempre escolhia o Zabumba pra ficar no time dele, pura amizade, porque o cara não jogava nada, aliás o que o Zabumba fazia direito era chutar a bola na vidraça das casas da rua. Em compensação quando a bola caia em algum quintal, se ela (bola) voltasse, vinha toda furada. Elas por elas.
O tempo passou, o Zoião, sempre o Zoião, convidou o Zabumba para irem a um lugar que nunca tinham ido, na zona do meretrício, conhecer esse mundo sexual, na verdade muito mais que isso, iriam pela primeira vez “descabelar o palhaço”, perder a virgindade mesmo. Andaram sondando com os mais velhos a questão de preço, e começaram a “poupança zona” juntaram uma grana, que segundo eles se informaram, daria para uma noite de orgia. O dia chegou, estavam com o “faz me rir” no bolso, os dois cheios de prosa, como se fossem velhos frequentadores das casas de tolerância, e faziam inveja aos amigos que encontravam
─ Ta sabendo! hoje “noiss” vamos se acabar de tanto meter.
Chegaram na zona, era uma vila de mansões à casas mais humildes, circularam pelas ruas, em muitas casas as meninas ficavam em exposição na área de entrada, todas semi nuas, e olha aqui, olha ali, Zoião chegou num consenso, o consenso do Zoião era o que ele dizia, escolheu uma casa cuja fachada era muito bonita, porém, Zabumba lembrou o que os amigos, que já haviam frequentado, disseram sobre casa muito bonita, falaram quanto mais luxuosa a casa mais caro são as meninas e as bebidas, então, soltou sua expressão favorita
─ Mas “nem por um caralho” vou entrar! Tudo aí deve ser o ‘zoio’ da cara.
Zoião meteu uma bronca nele
─ “Orra” meu! nem sabe, e fica e fica falando merrrda”.
Zabumba voto vencido, como sempre, vencido porque o voto de Zoião valia por dois, e foram entrando, meio receosos, afinal era a primeira vez que teriam essa experiência, lá dentro a música rolando solta, mulheres, algumas bonitas, outras nem tanto, e tinha, também, as de classificação baixa, os machos cheios de tesão e grana pra gastar, que era tudo que as meninas queriam, não demorou umas “minas” caíram matando nos recém chegados, e parece que elas reconhecem os novatos no assunto, esses que chegam pela primeira vez, e querem dar uma que sabem tudo sobre a zona do meretrício, elas se divertem com isso, e tascaram logo o que os homens gostam de ouvir
─ Como homens tão bonitos, e gostosos estão sozinhos? frase mágica para embalar uma pergunta a seguir
─ Vamos tomar alguma coisa amor? Aí Zabumba quis mostrar que era o cara:
─ “Nem por um caralho” outro dia deixei o ‘zoio’ da cara aqui.
Falou como sempre, mas tomaram vários drinks, inclusive pagaram também para as “primas”, só que eles não sabiam que os drinks das minas eram apenas chá gelado, e faz sentido, porque se tomassem drinks verdadeiros não chegavam ao final da noitada, inevitavelmente estariam bêbadas de tanto álcool, então, a saída era essa, mas sem o cliente saber, porque o preço não era de chá não, era de um drink normal, elas tinham um percentual da conta do cliente. A brincadeira ficou cara, mas estavam abonados, nada de cartão, era dinheiro vivo mesmo. Cada um escolheu uma rapariga e foram para o quarto. Serviço feito, pagamento realizado, foram embora satisfeitos. Passaram alguns dias e Zoião começou sentir algo errado com sua “chibata”, dores ao urinar, secreção, procurou o farmacêutico do bairro, naquele tempo funcionava como Médico também, não fazia consultas, apenas indicavam a medicação, o que no frigir dos ovos é a mesma coisa, ou seja, examinou e receitou, e mandou o veredito: é DST (doença sexualmente transmissível), gonorreia braba!
─ Onde você andou Zoião? E o Zoião meio sem graça, respondeu
─ Ah! ‘Seo’ Pasquale (esse era o nome do farmacêutico), sabe como é né
─ Não sei não Senhor Zoião, me diz aí. Zoião coçou a cabeça e explicou a situação.
Claro, o farmacêutico Pasquale indicou a injeção de praxe, Benzetacil nas nádegas (essa doi!), e outros comprimidos antibióticos; O desavisado iniciou o tratamento na mesma hora. O santo do Zabumba devia ser mais forte, pois não pegou nadinha, ou a rapariga dele estava mais limpa que a outra.
Zoião gastou uma grana com os medicamentos, guardou todas as notas fiscais da farmácia, quinze dias depois ficou bom, voltou à zona junto com o Zabumba, para tirar satisfação, estavam putos, o Zabumba estava puto por solidariedade, entraram sentaram, pediram bebida, e ficaram de campana se viam aquela menina, que foi pro quarto com o Zoião. Demorou, mas a trabalhadora do sexo apareceu, devia estar fazendo um michê com outro desavisado. Zoião caiu matando
─ Filha da puta você passou doença pra mim, agora vai pagar o que gastei na farmácia com os remédios para o tratamento.
Falou isso no meio da sala, a casa cheia de homens ávidos por sexo, e mulheres ávidas para tomarem o dinheiro deles, e se tem uma coisa numa zona de meretrício, que a direção não tolera é alguém dizer que pegou doença na casa. Isso é morte. Tania, a Gerente, ouviu o Zoião falando isso, e o Zabumba repicando
─ Isso memo, meu amigo pegou gonorreia aqui, agora a vagabunda vai ter que reembolsar o gasto.
Tania ficou possessa, foi até onde acontecia o bate-boca, e já foi metendo a bronca
─ Seu corno, filho da puta, minhas meninas passam por medico todas as semanas, seu arrombado, vai dar essa “toba” de viado em outro lugar, ta querendo queimar a casa, seu filho de quenga”.
Fez um sinal ao leão de chácara pra chegar junto, e deu as ordens
─ Tião, meu filho, mostra a esse arrombado a nossa gentileza.
O segurança um negão de 1,90 m. parecia um armário, lutador de artes marciais, começou empurrar o Zoião pra fora da casa, pra resolver a questão la fora, aí o Zabumba, que já tinha tomado umas a mais enquanto esperava, reagiu, e quis encarar o segurança, mas era uma cena patética, porque o Zabumba, um magricela sem classificação na graduação de lutadores, era menos que peso pluma, peso levíssimo, mas, quando bebia virava machão, achava que os outros tinham medo dele. Perto do Tião ele sumia, mas isso não intimidava o intrépido justiceiro dos fracos, que pegam gonorreia na zona de meretrício, falou com autoridade
─ Mas “nem por um caralho” você vai bater no meu amigo, vem negão que vou te quebrar todinho, cai dentro
Zoião pressentindo que os dois iam apanhar feio, tentava conter a ira do Zabumba, dizendo
─ Deixa pra la Zabumba, acho que errei de casa., vamos embora, ta tudo certo. E o Zabumba
─ Errou o cacete, é aqui mesmo esse “purguero”, e esse grandão aí pensa que vai bater na gente, pode vir, o que é seu ta guardado, negão viado.
Ele não devia ter chamado o segurança de viado. O pau comeu na casa de mãe Joana! Foram apanhando da sala até a calçada defronte a casa, tapas, pontapés, o Zoião ganhou um belo soco na cara, como pagamento do valor que foi cobrar, e o Zabumba, amigo, recebeu um cruzado na cara, e o negão ainda berrou
– Fala quem é negão viado, seu cuzão
Os dois foram embora, com dores pelo corpo todo, e com a cara amassada. Na manhã seguinte foram direto pra farmácia do bairro, agora pra fazer curativo, o farmacêutico atendeu e pensou com seus botões ─ “aposto que esses espertos foram na zona cobrar o que Zoião gastou aqui, e levaram uma surra, só pode ser isso”.
O que aconteceu pessoal? Onde se machucaram tanto?
Laconicamente Zoião respondeu
─ Foi assalto.
Zoião e Zabumba prometeram mutuamente, que nunca mais iriam nestas casas de meretrício.
Naqueles tempos o País era governado por militares, e muitos setores da sociedade eram bem vigiados, como rodoviárias, portos, aeroportos, terminais urbanos de ônibus, Estação ferroviária, etc. e num belo dia, Zoião apareceu na casa do Zabumba com uma de suas ideias (mais uma), agora ele queria passear no Aeroporto de Congonhas em São Paulo, ver avião decolar e aterrisar, e também, escutar os estrangeiros conversando. Zabumba fez algumas considerações, como o custo do passeio, porque estava “meio duro” (vivia assim), mas, acabou concordando com o amigo, principalmente porque o Zoião disse que pagaria as despesas dele. Marcaram pra ir num sábado, eles moravam numa cidade bem próxima da Capital, tipo 50 a 60 kms de distância. O sábado chegou, embarcaram no trem chamado Litorina, que fazia o trecho Campinas/São Paulo, naquela época os trens cortavam esse Brasil de meu Deus. Duas horas depois chegaram em São Paulo, Estação da Luz, pegaram um ônibus urbano, direto para Congonhas. Finalmente o Aeroporto, entraram, ficaram embasbacados com as lojas de “souvenir”, outras com roupas, bebidas, joias, circularam por todos os cantos do Aeroporto, e como sempre, Zabumba fez a famosa observação
─ Mas, “nem por um caralho” compro alguma coisa aqui! Não ia comprar mesmo estava duro. Entretanto, amigo que é amigo, o Zoião comprou duas lembrancinhas do Aeroporto, deu uma para o Zabumba.
Depois foram assistir as decolagens e aterrisagens dos aviões em voo doméstico e internacional, quando cansaram de ficar olhando aviões que subiam e desciam, foram para a segunda parte do plano, que era no hall do aeroporto, onde os passageiros desembarcam e encontram com amigos, familiares. O que eles faziam? Quando se formava uma rodinha de passageiros estrangeiros, que estavam batendo papo, ficavam bem próximos ouvindo a conversa, ora inglês, francês ou alemão, japonês, não entendiam nada, mas achavam um barato. Numa dessas rodas, uma família desembarcou chegando da França, parentes esperavam à saída, conversavam animadamente, porém, um deles percebeu o Zoião e o Zabumba rondando
─ Tu veux quelque chose? Êtes-vous là en train d'écouter notre conversation, parlez-vous français? (Você quer algo? Você está aí ouvindo nossa conversa, você fala francês?).
Os dois não entenderam nada que o francês dizia, e foram saindo de fininho. Resolveram encostar em outra roda de conversas, dessa vez eram italianos, que se confraternizavam, mas, também, perceberam que os dois estavam ali escutando o que diziam, e incomodados um deles falou
─ Cosa vuoi? Non abbiamo niente per te (o que você quer? Não temos nada para você)
Ouviram e saíram rapidinho perto deles, não sem antes Zoião esboçar um “bem-vindo ao Brasil”. Não estavam fazendo nada de mal, apenas queriam ouvir conversas em outros idiomas, porém, não vamos esquecer a questão da vigilância que era exercida nos Aeroportos, e o circuito interno a todo momento mostrava aqueles dois rapazes se movimentando no hall, aproximando-se das rodas de conversas dos passageiros recém chegados, ainda mais quando um francês e um italiano falaram com eles, concluíram que poderiam ser subversivos, recebendo ou enviando informações ao exterior. O controle ordenou
─ Atenção! Agentes Cardoso, Andrade, e Carvalho interceptem dois indivíduos suspeitos no hall, estatura mediana, um negro, o outro branco, usando camiseta branca e outro vermelha, levem para a sala de interrogatório, e duro neles!
Não demorou muito, os Agentes da Federal enquadraram os dois, e aquele “duro neles” significava “façam falar de qualquer jeito”, era senha para muita porrada. Zoião e Zabumba entraram numa fria, eles podiam ser tudo, menos subversivos, mas, como dizem por aí, os anjos da guarda, parecem, guardam mais as crianças e os bêbados, agora os azarados Zabumba e Zoião, porque sendo levados a prestar declarações, cruzaram com um policial que morava na mesma cidade e bairro que eles, e os reconheceu
─ Ô Zoião o que você ta fazendo aqui, rapaz? E você Zabumba?
O Agente que os conduzia estranhou aqueles cumprimentos, e perguntou ao policial se os conheciam, e este prontamente respondeu que sim, inclusive eram vizinhos no bairro que moravam. Este policial, também, estranhou o fato de Zoião e Zabumba estarem sendo presos, e a caminho do interrogatório, quis saber
─ O que esses dois fizeram para serem detidos?
─ Terroristas, colega, terroristas! Respondeu o Agente Carvalho
─ Quem? Esses dois? Esses dois praticamente vi nascer, colega, nem fumar maconha esses dois sabem, ponho a mão no fogo por eles, aposto que nem sabem o que é um terrorista, não estão nem aí para política. Refutou o policial amigo dos dois.
Os Agentes ficaram se entreolhando, balançaram a cabeça, o Cardoso pegou seu comunicador e chamou o controle, informou a situação, recebeu a autorização pra liberar os suspeitos, confiando na fala do policial que os conhecia. Ufa! Por pouco. Entretanto, receberam a instrução de ir embora pra casa imediatamente. Agradeceram e viraram pó. Mais uma da dupla.
Tudo passa na vida, mas as peripécias dos dois ficaram ecoando no ar e nas lembranças dos amigos, o Zoião mudou de cidade acompanhando a família, já que seu pai havia sido transferido para uma filial da empresa que trabalhava, no começo estavam sempre se comunicando, por carta, não tinha celular, ou por telefone fixo, mas, naquela época uma ligação interurbana, quem não tinha telefone fixo em casa, tinha que ir à Telefônica da cidade, e pedir para fazer uma chamada, demorava um bom tempo, até uma telefonista concluir a ligação interurbana.
Cada um buscou seu caminho, e os contatos foram rareando. Alguns anos depois, Zoião perdeu o contato de vez, ficou sabendo que Zabumba havia ido embora para a Bahia, mas ninguém tinha o contato. O tempo passou, tinha época que o Zoião ficava meio jururu, os amigos já sabiam, era saudade do Zabumba.
Zoião casou teve 3 filhos, seus filhos se casaram, tiveram filhos, e ele ganhou lindos netos, um belo dia chega uma notícia vinda por intermédio de um dos amigos da juventude, dando conta que o Zabumba houvera falecido, mas, não havia uma confirmação real, porém, como é o dito popular “onde há fumaça, há fogo”. Zoião chorou, foi até uma Igreja e rezou pela alma do amigo. Vida que segue.
Um de seus filhos muda-se para Ilhéus, na Bahia, que além de ser zona cacaueira, também é uma cidade turística, mas, o filho mudou por causa dos negócios com cacau. No final daquele ano Zoião e família viajaram à Ilhéus para as festas de Natal e passagem do ano novo. Viagem cansativa, primeiro dia ninguém estava com disposição pra sair; No dia seguinte, devidamente descansado Zoião foi fazer o reconhecimento do lugar, na verdade o reconhecimento era dos botecos. Visitou um, não gostou, partiu para outro, estava cheio, era aqueles botecos raiz, e ele gostava disso, de repente ele ouve alguém falando alto nos fundos do boteco
─ Carlão! mas, “nem por um caralho” vou pagar essa conta, oxente! não gastei tudo isso, não! Vai dar pra quem tem tempo, seu safado!
Lembra do leão de chácara da zona, pois é, esse Carlão era igual...
Zabumba! Que morto que nada, e continuava o mesmo, e quando tomava umas e outras então ...
FIM
AUTOR ANDRADE JORGE – ACADÊMICO DA ACADEMIA SALTENSE DE LETRAS E ACADEMIA NACIONAL DE LETRAS DO PORTAL DO POETA BRASILEIRO E CASA DO POETA DE PRAIA GRANDE
04/09/23