É melhor terminar algo do que começar algo.
É melhor terminar algo do que começar algo.
Meu avô era um senhor um tanto bruto. Em uma certa segunda-feira durante as férias escolares, quando eu tinha meus treze anos, ele me perguntou:
-Quer aprender algo novo hoje guri?
-Claro!
Entramos em seu fusca amarelo queimado e ele dirigiu até o centro da cidade. Mais ou menos quarenta minutos de uma viagem tranquila e sem trânsito. Fomos conversando sobre os mais diversos assuntos, até que ele falou:
-Sabe o nome da rua onde mora?
-Sei sim, por quê quer saber?
O velho parou o carro em frente à praça da antiga catedral de Curitiba. Apontou seu dedo para os moradores de rua. Me falou como eles conseguiam dinheiro e como sobreviviam dia após dia. Falou:
-Nessa vida você tem que aprender a se virar pia. Nada será entregue de graça. Não há coisa mais feia do que um homem que não sabe conseguir o que quer. E hoje você vai aprender algo muito valioso, tem algum dinheiro com você?
-Não tenho.
-Que bom. Desça do carro e chegue até sua casa. Sabe mesmo o endereço?
Nervosismo. Meus olhos estavam arregalados. Fiquei com medo, não passava na minha cabeça nenhum plano para conseguir voltar para casa.
O velho senhor continuou:
-Primeiro fique calmo, não é a pior situação que pode acontecer em sua vida, bundão. Imagine ser cego ou aleijado. Fazer isso que te peço é tranquilo.
-Como faço para chegar em casa? - Perguntei na inocência, como se responder essa pergunta já não fizesse parte do desafio. Ele respondeu:
-Vai ter que se virar. Eu não vou te responder, mas você é livre para perguntar isso a qualquer pessoa. Sabe mesmo o endereço?
-Sei sim... – Que frustração senti. Não por ser tarefa impossível, mas sim por ter que realizar tarefa tão chata. Já havia andado de ônibus outras vezes, mas acompanhado. Nesse momento sabia que era mais fácil do que parecia. Pegar um ônibus que me levasse de volta ao lar.
-Saia do carro. Quem sabe jantaremos juntos hoje. Ou tomaremos café da manhã amanhã cedinho hahaha. Você consegue bundão.
Era umas nove e meia da manhã. Por sorte tinha tomado um belo café da manhã, um café de dar inveja a qualquer morador de rua. Não poderia ser tão difícil. Vi o fusca do velho se afastar aos poucos e uma mão fazendo um sinal de beleza com o dedão levantado para fora da janela.
Velho filho da mãe!
Pensei, se ficar parado aqui, uma hora virão me buscar, afinal quando perceberem meu sumiço o velho vai ter que contar o que fez. Mas não queria decepcionar nem colocar ele em maus lençóis. Pois, se ele me colocou nessa situação era por um bom motivo.
Essas eram minhas opções: pegar um ônibus e voltar. Se não conseguisse, ficar ali um ou dois dias até me resgatarem.
Na praça em que eu estava haviam vários pontos de ônibus. Fui no mais próximo e encontrei uma mulher com algumas compras esperando o ônibus. Dei meu endereço e perguntei se ela sabia qual ônibus iria para lá. Ela disse:
-É naquele ponto ali, você terá que descer no terminal e pegar outro ônibus, depois...
Ela me explicou. Fui ao ponto, aguardei o ônibus. Quando ele chegou entrei e me esqueci do principal:
-Tem que pagar a passagem, sem pagar não entra! – Disse meio bronco o cobrador do ônibus. Naquele tempo existia o motorista e um cobrador. O motorista não cobrava, como acontece hoje em dia.
Desci os três degraus da escadinha do ônibus e comecei a pensar: Como conseguir a passagem?
Vi um mendigo pedindo dinheiro a quem passava. Comecei a pedir também. Consegui uma ou outra moeda. O mendigo viu e veio na minha direção. Brabo:
-Aqui é meu ponto, cai fora! Se quiser pedir dinheiro vai pra outro lugar!
Caí fora. E agora? Já havia passado uma hora e meia mais ou menos. Quando eu olho para uma esquina distante quem eu vejo? Meu avô. Ele estava me observando de longe, pensei. Com certeza não queria devolver um neto com algum ferimento. Isso me deixou um pouco aliviado.
Andei por uma rua próxima ao ponto de ônibus pedindo dinheiro para cada comerciante que encontrava. Entrava na loja, me explicava e pedia. Até que em uma lanchonete um cara barrigudo, meio sujo, me fez a proposta:
-Lava meu banheiro pia. Te dou o dinheiro da passagem.
Tranquilamente lavei o banheiro, ele me deu as ferramentas, vassoura, rodo, pano água sanitária da embalagem verde e um desinfetante cheiroso. Fácil.
Terminado, ele me entregou o dinheiro e quando pisei fora da lanchonete o veio estava parado na porta. Ele disse:
-Seria bom ganhar um lanche também, não custa nada pedir...
Voltei e perguntei ao dono se seria possível ganhar um lanche. O barrigudo pensou um pouco e concordou. Um lanche e um copo de suco. Estava ótimo, caiu bem próximo a hora do almoço. Não que eu fosse morrer de fome sem comer, mas foi bom.
Estava animado e certo de que conseguiria. Ao sair meu avô perguntou:
-Quer ir embora comigo? Já deu pra ver que conseguirá.
-Não, agora vou terminar.
O velho sorriu. Uma de suas frases favoritas era “é melhor terminar algo do que começar algo.” Era uma frase bíblica.
Fui ao ponto, peguei o ônibus, cheguei no terminal, me informei qual era o outro ônibus que deveria pegar e mais ou menos as duas da tarde já estava dobrando a esquina da minha rua, vendo a relíquia amarela do vô em frente à casa. Ele saiu do carro e me perguntou:
-Quando sua mãe perguntar, o que dirá que fez hoje guri?
-Sai com o vô e almoçamos na lanchonete de um barrigudo.
-Eu gostaria muito de ir para a praia amanhã, o que acha?
-Não, obrigado vô.
-Tudo bem, tudo certo!