Olhei nos olhos dela e me vi

Caminho fechado , seguindo mata adentro , eu sei que tinha sede . Que sol "brabo " meus companheiros de caminhada um pouco mais a frente com os facões afiados abrindo a passagem.Cansamos , o calor úmido da floresta parece que maltrata mais os corpos. Paramos perto de um riacho . Água parecia boa , começamos a montar acampamento , dia todo andando, os pés em carne viva, merecido repouso . Fiquei encarregada de buscar a lenha , fogo é tudo para o viajante. Pouca madeira ali por perto , um galho aqui outro acolá, fui me embrenhando mais a dentro, a mata fechada é assim , um convite que quando menos se espera você aceitou. Tarde já morria e o sol baixando chamava a noite, eu me apressei , fui jogando no saco os galhos mais secos e melhores , já estava garantida a fogueira . Joguei o peso da lenha nas costas e me virei para tomar o rumo de nosso acampamento, assim em milésimos de segundos todos os meus músculos paralisados, senti a batida do meu coração nas veias no meu pescoço. Ela me olhando profundamente, quieta, cismada ,medindo talvez a minha altura. Nos olhamos ,nos encaramos com respeito. Tive a intenção de desviar os olhos mas declinei da ideia, não era mais possível voltar ,fiquei magnetizada naquele olhar verde escuro como a mata que nos rodeava . Nisso ficamos algum tempo , não sei quanto, sei que queria viver e imagino que ela também. Alguém precisava recuar , vagarosamente dei um passo para trás, o passo mais difícil é longo de meus 36 anos , ela continua fixada nos meus olhos e eu nos dela . Mais um passo para trás, ela também recua mas anda para lateral , vai se afastado, fareja o chão, sai caminhando de forma rápida para o lado oposto , seus olhos já se desprenderam dos meus. Estou muito tensa , tanto que jogo o saco de lenha no chão e me ajoelho , respiro muito fundo e seguro meu peito para que meu coração não caia ali no meio das folhas. Por alguns segundos me vi refletida nas retinas de um ser incrível, nunca poderei descrever o que senti , ela viveu em mim e eu fui parte dela ,por breves instantes humana e não humana ,tudo uma coisa só. Onça parda , uma mulher de pela parda . Encontro de medo , mistério, sinais , encantos , desencantados num dia que poderia ser apenas um dia como qualquer outro dia em nossas vidas, mais um dia para matar ou morrer, Por hoje sobrevivemos eu e ela .

Patricia Nogueira
Enviado por Patricia Nogueira em 15/11/2024
Reeditado em 15/11/2024
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