O Que Estou Fazendo Aqui?

 

Você já se perguntou: O que estou fazendo aqui?

Aquela pergunta que surge como uma reflexão tardia, mas talvez a verdadeira questão devesse ser outra: O que farei lá? Teria sido mais sensato e prudente — pensar nos preparativos, planejar a pescaria.

 

No entanto, a aventura começou cheia de reviravoltas. O barco que alugamos não estava ancorado como combinado, e o marinheiro? Dormia profundamente em meio a sua ressaca, impossível de acordar. Foi então que apareceu outro marinheiro, disposto a nos levar, mas com um barquinho “sem vergonha” que faria qualquer um hesitar. Porém, era o que tínhamos para o dia.

 

Entre checagens de equipamento e uma brisa refrescante, todos estavam prontos para zarpar. O barco ia mar adentro, e gargalhadas, histórias de outras pescarias e amenidades enchiam o ar. O clima era de descontração, e assim nossa odisseia se iniciou, com o retorno programado para o dia seguinte. Manhã chegou. O sol estava quente, o papo era bom, e os peixes não faltavam no anzol.

 

Em meio ao entusiasmo, um dos nossos, tomado pela empolgação, interrompeu a conversa com voz empostada, como um “macho alfa”: “Quem me acompanha em mais uma noite no mar?” É quem não o acompanhasse? Dividiríamos a embarcação? 

 

Olhares se cruzaram no silêncio. E, mesmo sem votação, o desafio foi aceito. Afinal, o pôr do sol estava esplêndido, e, embalados por aquela paisagem, seguimos. “Vamo que vamo!” Mas logo se notou: nossas provisões eram apenas para um dia.

 

A noite caiu, e a fome veio com ela. Comemos os peixes da pesca. De repente, um vento estranho soprava de longe, encorpando-se a cada instante e desafiando nossa frágil embarcação. As ondas, que começaram como meros balanços, tornaram-se monstros ondulantes e encapelados, nos fazendo segurar em qualquer parte do barco que desse segurança.

 

Mais uma vez, os olhares se encontraram. A pergunta pairava silenciosa no ar: O que estou fazendo aqui? Podíamos estar no aconchego do lar, mas, em vez disso, seguimos a voz da insensatez. Um perguntava ao outro: "Por que você aceitou a proposta?" Culpa compartilhada é mais leve; culpar o outro alivia.

 

Mas o mar se revoltava, as ondas gigantes davam ao barco um ritmo desenfreado. Chegou aquele momento decisivo, em que o arrependimento era evidente em todos. Não havia mais como segurar, as lágrimas vinham à tona.

 

Foi então que, de mãos dadas, cada um entregou sua alma ao Eterno. Os murmúrios de perdão enchiam a embarcação, e pedíamos que Ele cuidasse de nossas famílias, entregando-nos ao seu amparo. Da angústia ao desespero, o momento chegou.

 

A atenção se fixou no Alto. E, em meio a esse estado, a tempestade começou a se dissipar. Aos poucos, o mar retornava à calmaria, e o silêncio dominou. Cada um olhava o outro, esgotado, mas sem palavras — tudo já havia sido dito. Todos ouviram o pecado confessado do outro, agora era tarde, dentro de cada um pairava a perplexidade, e um olhar de: "então você fez isso mesmo?" 

 

O marinheiro assumiu seu posto. Naquele instante, o único desejo era voltar para as nossas famílias. Nosso líder destemido o “Macho Alfa”, agora virou Beta. Num tom de brincadeira, arrisquei perguntar:

“Quando será a próxima aventura?”  Os olhares, disseram tudo.

 

Hoje, se alguém me convidar para uma pescaria, farei a mim mesmo uma pergunta decisiva: Será que, estando lá, poderei me perguntar "O que estou fazendo aqui?" Se houver o menor indício de resposta negativa, estou fora.

 

 

                    Por Walter Figueiredo - novembro / 2024

WALTER FIGUEIREDO
Enviado por WALTER FIGUEIREDO em 05/11/2024
Reeditado em 07/11/2024
Código do texto: T8190027
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