Aquelas que vêm de longe
Setembro de 1964.
Naquele início de manhã fria de outono em Bucareste, a primeira-ministra tomava o café sozinha, fechada em seu confortável quarto no Palácio Cotroceni, quando bateram discretamente duas vezes. Antes que ela dissesse qualquer coisa, a porta entreabriu-se e viu-se diante de Afina Roman, sua governanta e confidente.
- Desculpe incomodar, senhora... o general está aqui - anunciou sem meias palavras.
- O... general? - A primeira-ministra pousou a xícara de café no pires, encarando a serviçal em expectativa.
- O general Matei - complementou Afina, com expressão constrangida.
A primeira-ministra suspirou.
- Ah... ESSE general. O que é tão urgente que ele não pode esperar que eu acabe o meu café?
Um vulto imponente, vestido com o uniforme cáqui do exército valaquiano, surgiu por trás da governanta na porta entreaberta.
- Permite, Afina? - Indagou cortesmente o homenzarrão.
- Sim senhor - assentiu de imediato a governanta, pondo-se de lado. - Vai querer algo da cozinha?
- Eu não vou demorar - prometeu Matei com uma piscadela, passando pela governanta e fechando a porta atrás de si. Removeu o quépi da cabeça, antes de se dirigir à primeira-ministra:
- Desculpe a intromissão, Carla.
- Se está aqui a serviço, é "senhora primeira-ministra" - retrucou Carla Voiculescu, mas indicando uma cadeira vazia junto à mesinha redonda à qual estava sentada.
O general Matei sentou-se com ar contrito, quépi nas mãos.
- É assunto oficial, senhora primeira-ministra - declarou. - Perdoe a intimidade.
Carla Voiculescu balançou a cabeça, enquanto tomava um gole de café.
- Desculpe se não o convido para o café, mas só há uma xícara e você acabou de dispensar Afina - sentenciou ela, encarando-o de modo analítico.
Matei esboçou um sorriso triste.
- Isso nunca foi um problema entre nós, foi?
Carla ergueu as sobrancelhas.
- Filip, você não veio até o palácio do governo à essa hora da manhã discutir nossa relação, veio? - Questionou acidamente.
- Perdão - murmurou o general, abanando a cabeça em desalento. - Perdão.
Aprumou-se e acrescentou, muito sério:
- Veja, aconteceu uma coisa grave... os russos fizeram contato.
- A "Krasnoye Nebo" - antecipou Carla. - O que houve?
Filip Matei lançou-lhe um olhar admirado.
- Como você sabia?
- O que mais poderia fazer os russos nos procurarem, agora que estão próximos do seu grande triunfo? - Replicou ela secamente. - Desembuche.
- Então... - o general rodou o quépi entre as mãos. - Ocorreu algum tipo de problema no espaço... não deram detalhes... com nossos bons amigos do Großdeutsches Reich. A nave não tem combustível para pousar no Cazaquistão, conforme estava previsto. Eles nos pediram permissão para descer aqui, na Valáquia.
Carla ficou em silêncio por um instante, até que finalmente fez um gesto afirmativo com a cabeça.
- Não se trata só de pousar, não é? Estão com medo do que pode acontecer depois que as cosmonautas estiverem entre nós...
- Não vamos fazer nada contra as cosmonautas - assegurou intrigado o general. - Os russos são nossos aliados.
- Não se trata de nós; - atalhou a primeira-ministra, entrelaçando as mãos sobre a mesa - os nazistas devem estar desesperados, e certamente vão tentar alguma cartada final. Na II Guerra, não tiveram sucesso, mas a tecnologia avançou muito de lá para cá. Quem sabe o que escondem nos seus arsenais?
- O que respondo para os russos, Carla? - Redarguiu o general.
- Que estamos com eles, para o que der e vier, Filip - foi a resposta serena.
E como Matei já estivesse se levantando para ir embora, ela ergueu a voz:
- Avise à Isabela que estou partindo para Târgoviste!
O general bateu continência e indagou:
- Quer que avise também ao hospodar, senhora primeira-ministra?
- Do hospodar me encarrego eu - disse Carla, erguendo-se. - Não, ligue para nossa filha.