Sob a Montanha

A curta viagem até Reeddak foi feita em silêncio, Derre prestando atenção nas curvas da estrada, embora praticamente não houvesse movimento de tráfego àquela hora da manhã. No banco de trás do automóvel, Jant matutava sobre como fora parar naquela situação embaraçosa e como nada do que pudesse fazer agora lhe devolveria o status anterior. Finalmente, o motorista parou em frente ao Berchtop, a tradicional "casa de pasto" da vila, na praça do Mercado.

- Você não ia me levar ao médico? - Ela indagou apreensiva, percebendo onde estava.

- É aqui mesmo - disse o motorista, desembarcando e abrindo a porta do lado dela. - Vamos, ela já está lhe esperando.

Jant achou que era mais prudente não fazer outras perguntas, pois poderia piorar as suas já limitadas perspectivas. Desceu do veículo e caminhou obedientemente atrás de Derre, para dentro do restaurante. No salão, parcialmente ocupado para o café da manhã, os clientes pareciam ter vindo da capital para uma reunião de negócios, e se vestiam de acordo: homens de terno escuro, mulheres de vestidos ou terninhos em tom mais claro. Quebrando a monocromia, alguns indivíduos usavam macacões de serviço, azuis ou cáqui, como se tivessem acabado de sair de algum setor de manutenção. Ao passar, Jant sentiu que era alvo de todos as atenções. A sensação dos olhares em suas costas só cessou quando Derre entrou num corredor lateral, ao fundo do qual havia uma porta larga encimada por um letreiro onde se lia "DEPÓSITO". Mas Jant logo percebeu que aquela não era uma entrada comum, pois no lugar de maçaneta e fechadura, havia uma placa de metal polido, como ela só vira antes nas portas da Biblioteca. Derre apoiou a mão espalmada sobre a placa e a porta deslizou para o lado, revelando uma grande e bem iluminada cabine de elevador.

- Vamos - ele a convidou, ao perceber que ela hesitava.

Jant entrou e Derre digitou uma sequência num teclado numérico que deveria servir para selecionar o nível de destino. Obviamente, o elevador descia até o coração da montanha abaixo deles.

- Até que profundidade isso vai? - Indagou preocupada.

- É bem fundo - foi a resposta vaga de Derre.

Devia ser, pois embora descesse rápido, o elevador levou pelo menos cinco minutos até cessar o movimento. A porta se abriu e Jant viu-se diante de um corredor branco com iluminação indireta. Ao longo das paredes, portas ostentavam placas com siglas incompreensíveis. Derre, que parecia já ter estado ali inúmeras vezes, parou diante de uma porta marcada com a placa "B612" e bateu duas vezes.

- Entre! - Gritou uma voz feminina.

Derre abriu a porta e Jant percebeu que o local que era uma espécie de laboratório, não exatamente um consultório médico, embora houvesse uma cadeira ginecológica num dos cantos.

- Não, eu não vou ficar aqui para ver - disse Derre, antecipando-se a qualquer coisa que ela pudesse dizer. - A partir de agora, você vai ficar a cargo da doutora Ima e suas assistentes.

Havia três mulheres no laboratório, com jalecos brancos sobre vestidos escuros. A doutora Ima era uma morena de cerca de 40 anos de idade, cabelos pretos amarrados num coque atrás da cabeça, óculos de grau. Sorriu para Jant, o que a surpreendeu.

- Olá Jant! Como vai? - Indagou, estendendo a mão.

Em seguida, apresentou-a às suas assistentes, Fentsje e Ljumke. Derre despediu-se, e disse antes de sair que voltaria após os exames para buscar Jant. A jovem sentiu-se desamparada, agora que a sua única referência naquele lugar se fora.

- Não precisa ficar com medo - tranquilizou-a a doutora Ima. - Ninguém aqui vai lhe fazer mal, só queremos realizar alguns testes, ver se está tudo bem com você e o bebê.

Ljumke orientou Jant a trocar de roupa atrás de um biombo e colocar uma bata hospitalar. Em seguida, lhe foi dito que deitasse numa maca e vários eletrodos foram presos ao seu corpo e ligados a uma máquina, que parecia algum tipo de monitor de sinais vitais. Finalmente, Ima e as assistentes foram para trás da máquina e começaram a mexer em botões e fazer anotações em formulários presos a pranchetas, enquanto conversavam entre si.

- Veja só esses níveis, doutora - comentou Fentsje para Ima. - Pelo menos dez por cento acima do que seria esperado.

-Pode ter a ver com a situação de estresse - ponderou Ima, ar pensativo, pressionando uma caneta contra o queixo. - Não vamos tirar conclusões precipitadas...

Mais alguns comentários sobre valores inconclusivos e finalmente as assistentes começaram a desconectar os eletrodos.

- Achei que ia fazer um exame ginecológico - comentou Jant, um tanto desapontada.

- Você vai, mas não hoje - redarguiu a doutora Ima. - Não temos uma especialista aqui na Montanha, ela deve chegar nos próximos dias vinda da capital. Mas vamos aproveitar que veio e fazer alguns exames de sangue. Pelo menos, ela terá os resultados para avaliar quando chegar.

Jant conformou-se que aquela não seria a última vez em que teria que vir ao laboratório, o qual parecia ter sido montado especificamente para atendê-la. Não sabia se ficava lisonjeada ou preocupada com a suposta deferência.