Segredo de infância

Na minha infância, um pequeno segredo habitava meu mundo: era o hábito secreto de ler o dicionário. Cada página era um universo a explorar, uma busca por tesouros escondidos em letras e definições, um livro que continha todos os sons e sentidos da língua portuguesa. Eu me sentia em êxtase, mergulhando nas linhas e entrelinhas daquelas folhas cheias de significados. Era como garimpar ouro. Era inacreditável para mim, um mundo tão vasto e profundo contido em um livro tão pequeno.

Meu caderno era meu fiel escudeiro nessa jornada. Cada palavra que eu achava saborosa aos meus ouvidos e boca era cuidadosamente anotada, como se fosse um tesouro a ser guardado e revisitado sempre que precisasse. Eu lia e relia seus significados, explorava sua aplicação em frases, como se estivesse compondo um poema em prosa. Quando finalmente usava essas palavras na escola ou com amigos, era meu prazer secreto. Eu as usava com naturalidade, mas só eu sabia que, por trás daquele tom tranquilo, havia dias e dias de convívio íntimo com cada uma delas. Era como libertar um pássaro que eu havia criado, dar espaço para que voasse livre e deixasse espaço para uma nova palavra, uma nova descoberta.

Assim, meu pequeno segredo se transformava. Naqueles dias, cada nova palavra era como uma pepita de ouro, descoberta em meio à vastidão de letras. Eu me sentia um explorador, desvendando segredos que o mundo parecia ignorar. Palavras simples como "amora" ou complexas como "efêmero" ganhavam um significado especial, quase mágico, quando finalmente encontradas. Eu as repetia baixinho, sentindo suas texturas, saboreando suas sonoridades. Era como se cada uma delas guardasse um mundo em miniatura, esperando para ser desvendado.

Eu anotava as palavras que mais me fascinavam em um caderno, um companheiro fiel que guardava meus achados como um tesouro pessoal. E então, aos poucos, eu as deixava escorregar para o meu vocabulário diário, como quem apresenta novos amigos ao seu círculo. Elas apareciam nas conversas com os amigos, nas redações da escola, nos pensamentos antes de dormir. Tornavam-se parte de mim, um reflexo da curiosidade insaciável que me guiava.