O caso do prefeito
Giovana
“Um fato curioso tem tirado o sossego da pacata cidade de Cristal. O jovem e recém-viúvo prefeito, Dr. João Pedro, tem desaparecido do radar das candidatas a futura primeira-dama da cidade.Todas as quartas-feiras o Dr. dribla seus seguranças e seguidores. Para onde vai e com quem, nosso querido prefeito, se encontra tornou-se um mistério. Dizem as más-línguas que ele vai para a “casa das primas” na cidade vizinha. Porém, essa hipótese já foi descartada. Não se sabe como ele consegue escapar sem deixar pistas sobre seu paradeiro. Já estaria ele com a candidata perfeita para o cargo de primeira-dama? Sabe-se que pretendentes não faltam para sua cama…”
— Você vai publicar isso? — pergunta Sibele, amiga da redação do jornal.
— Claro que vou. Mas pensando bem, vou trocar “cama” pelo posto de primeira-dama. Não quero confusão com o Dr.
— Por que você chama o prefeito de Dr. em todos os seus artigos? Sabe que ele não gosta.
— Oras por que, justamente porque ele não gosta.
***
Pesquisei tudo sobre o Dr. João Pedro. Formado em direito, natural do estado do Rio de Janeiro, casou-se aos 25 anos com sua colega de faculdade, seu casamento durou 10 anos, está viúvo há dois; mas antes do acidente que levou sua esposa, o casal já não dividia o mesmo teto há pelo menos um ano. Sem filhos e sem esposa, as moças "casados" da cidade estão numa corrida desenfreada para saber quem conquistará o coração do jovem prefeito.
A quem quero enganar? Ele é um homem muito interessante, mas não estou nessa corrida para conquistá-lo.
Estou mais interessada em desvendar este mistério que cerca esse homem: Onde vai? Com quem se encontra? Será algo ilícito? Uma amante, ou um amante? Algo na esfera política ou pessoal?
Descobrir o que o Dr. faz nas quartas-feiras se tornou uma questão de honra.
***
— Onde você vai assim tão linda? – Sibele, pergunta ao entrar na minha sala, tirando-me de meus devaneios
— Hoje é quarta-feira, esqueceu? Irei segui-lo, estou indo à prefeitura, ficarei de tocaia, onde esse sujeitinho for, estarei no seu rastro.
— Seguir quem, mulher?
— O prefeito, esqueceu?
— Amiga, ninguém até hoje descobriu o paradeiro desse homem, como você pensa em desvendar esse mistério?
— Contratei um carro de aplicativo e vou ficar esperando ele sair.
— Simples assim?
— O que ninguém sabe é que coloquei um rastreador na pasta dele. Tive uma audiência com o prefeito essa semana. Bem, não foi uma audiência, o Dr. me convidou a comparecer na prefeitura e com muita “delicadeza”, pediu que eu parasse de escrever sobre seu suposto sumiço nas quartas. Disse-me que o que ele faz fora do horário de trabalho só diz respeito a ele e a mais ninguém.
— E você?
— Eu perguntei para o Dr. se quando termina o horário do trabalho na prefeitura, o cargo de prefeito fica pendurado no cabide.
— Não, você não falou isso para o homem?
— E falei mais, se ele quer manter segredo de suas “quartas” que tome cuidado redobrado, porque tudo que o prefeito faz é da conta de seus contribuintes, de quem depositou confiança nele e que o elegeu.
— Gio, você está brincando com fogo. Cuidado para não se queimar.
Desde que me formei em jornalismo e publicidade, trabalho para um jornal local, o salário não é lá grandes coisas, mas consigo me manter. O dono do jornal está me cobrando esse furo de reportagem, mas lá no fundo eu também quero saber qual o segredo desse homem. Descobrir o que há por trás desses sumiços. Confesso que ele é um homem muito interessante, charmoso, inteligente e cheiroso.
***
Pronto, estou a postos em frente à prefeitura. Em menos de dez minutos, nosso Dr. vai deixar o gabinete e, finalmente, saberei qual a verdade ou mentira que envolve o Dr. Dopamina.
Comprei um vestido bem-comportado, não quero passar a impressão errada ao João, sim, João, pois como ele mesmo disse, fora do seu horário de trabalho, ele é apenas Pedro ou João; tanto faz para mim. O motorista parou o carro em frente ao dele no estacionamento. Fiz questão de ser notada por ele propositadamente, para que ele pense que estou seguindo-o. E estou mesmo, porém, ele não precisa saber.
Já no carro, esperando o Dr. Amor, vou realizar meu sonho. Sempre quis dizer essa frase: — Siga aquele carro –
Haha! É hoje que desvendarei esse mistério.
***
João Pedro
Essa repórter de araque pensa que me engana. Claro que a vi trocando de carro e seguindo em um carro de aplicativo. Vou mostrar para ela como se faz uma perseguição de verdade.
Troquei de pista rapidamente e acelerei, mantendo uma distância segura. Ela não percebeu que, agora, sou eu quem está no controle. Meu carro segue o dela como uma sombra.
Desde o dia em que a chamei para uma reunião no meu gabinete, venho observando-a. Ela me segue na cara dura, sem se esconder. Agora sei o porquê: ela quer que eu perceba. A verdade é que não consigo esquecer seu perfume, e que vestido era aquele? Sempre pensei que borboletas simbolizassem doçura e ingenuidade. Mas aquela "anja dos infernos" provou que, naquele vestido, significa tentação. E, confesso, estou mais encantado com sua determinação de saber para onde vou às quartas-feiras do que com raiva. Pensando melhor, vou incluir uma noite extra nas minhas saídas. A partir de amanhã, sairei também nas sextas. Na sexta, permitirei que essa detetive de araque me alcance.
Então, vou convidá-la para um jantar — mesmo que ela não saiba disso ainda. Um restaurante em um lugar bem afastado, talvez em uma cidade vizinha, onde não sou tão conhecido. Ela certamente me seguirá, e quando entrar no restaurante, descobrirá que há uma reserva em seu nome.
Estou curioso para ver a reação dela quando o maître do restaurante lhe comunicar sobre a reserva.
Estou ainda mais curioso para saber como ela vai escrever isso em seu artigo:
"Dr. Prefeito convida jornalista para jantar em um restaurante afastado. Que intenções ele tem? Revelações serão feitas? Ou ele ainda planeja esconder suas escapadas noturnas?"
Para ser honesto, estou apreciando esse jogo de gato e rato. Mas a grande pergunta é: quem está caçando quem, eu ou ela?
De encontro ao desconhecido. Desconhecido apenas para ela, porque eu sei exatamente o que me espera. Esse mistério a envolve, mas, para mim, é um jogo com regras claras. Será ela capaz de desvendar o que está por trás de cada movimento meu?
***
Giovana
Então, Dr. Amor, Dr. Serotonina, Dr. Prefeito, decidiu expandir suas escapadas para as sextas-feiras também. Pode deixar, esse doutorzinho não vai me escapar. Na quarta quando eu o seguia ele conseguiu me despistar, no entanto, hoje ele não me escapa. Descobrirei para onde ele vai nas sextas-feiras.
Ele parou em frente a um restaurante simples, mas de bom gosto. O ambiente é bem iluminado, e tenho certeza de que ele não percebeu que eu o estava seguindo.
À porta do restaurante, uma hostess aguarda com uma lista de reservas e me recebe com um sorriso educado.
— Boa noite e seja bem-vinda ao Restaurante Domos. Em nome de quem é sua reserva por gentileza? --
Meu nome… sei que meu nome não está nessa lista; não fiz reserva alguma. No entanto, não há nada que eu possa fazer.
— Meu nome é Giovana Bianchi, creio que não fiz reserva. Se houver uma mesa livre, gostaria de… — antes que eu termine a frase a moça me interrompe:
— Pode me acompanhar, senhorita Giovana? O senhor João Pedro já chegou e pediu que a acompanhasse até sua mesa.
Senti uma onda de incredulidade. Ele sabia que eu estava atrás dele? A raiva começa a ferver dentro de mim. Como ele teve a ousadia de me deixar nessa situação?
Meu segundo nome: vergonha e indignação. Deveria ter uma lista de supostos nomes para minha cara de surpresa. Porém aqui estou eu, indo ao encontro do desconhecido, Dr João.
— Surpresa, assustada ou decepcionada? Espero que esteja feliz, pois você saberá meu tão guardado segredo: “Onde será que o prefeito vai todas as quartas feiras?” — Ele me dá um sorriso enigmático.
Bom, se ele pensa que vai me intimidar está completamente enganado.
— Feliz, surpresa e diria outros sentimentos que gostaria de não mencionar, se o senhor permitir.
— Claro, se a senhorita prometer que vai me revelar esses sentimentos que lhe atormentam.
Gostaria de falar umas poucas e boas para esse prefeito de meia pataca. Desgraça, como ele cheira bem, que sorriso cativante. Agora sei porque ele é tão disputado pelas eleitoras.
O jantar foi delicioso, e o ambiente com música ao vivo deu um ar de encontro. Não acredito no que acabou de passar pela minha mente. Esse homem é mesmo um político. Conseguiu me convencer de que estamos aqui apenas para um jantar divertido, como se fôssemos namorados... Que piada! Sou uma repórter, não uma adolescente em um encontro de colegial. Ainda estou interessada em descobrir para onde vai e com quem esse "doutorzinho" está envolvido.
— Querida Butterfly, resolvi confessar meu segredo das quartas-feiras. Sabe o que eu faço? Absolutamente nada. Esse mito todo que criei em torno da minha rotina de prefeito? Pura invenção. Com as eleições chegando, preciso garantir minha reeleição, e o mistério é um bom truque para manter o povo interessado.
Um dia, decidi mudar a rota para casa e meus seguranças ficaram perdidos. Perfeito! Aproveitei o deslize dos rapazes e comecei a alimentar essa narrativa, porque, você sabe, o povo adora um enigma. E enquanto falam de mim… é isso que importa, não é mesmo?
Fiquei sem palavras. Eu, uma repórter, deixada sem reação. Uma frustração tomou conta de mim, e devo ter ficado com o rosto rubro de raiva. Queria explodir ali mesmo, mas me controlei, mantendo uma expressão neutra para não revelar o que realmente sentia. No fundo, eu não acreditei em uma palavra sequer que esse sujeito disse, mas mesmo assim, engoli seco e segui em frente.
— Tenho um convite para você. Gostaria que a senhorita viesse trabalhar comigo. Assistente de marketing, o que acha? --
Pela segunda vez na mesma noite perdi as palavras. Eu, trabalhar com o Dr amor, todos os dias, sentindo esse perfume, ouvindo essa voz, esse charme sedutor de político…
...esse charme sedutor de político… Não! Pera aí. O que estou pensando? Ele acha que pode me comprar com um cargo, me fazer sua marionete, usar meu trabalho para aumentar ainda mais essa aura de mistério que o cerca? Respirei fundo, tentando controlar a confusão de pensamentos. Eu sabia que esse jantar era uma armadilha, mas não esperava que ele fosse tão direto.
— Agradeço o convite, Dr. João Pedro, mas creio que minha função é continuar escrevendo a verdade, onde quer que ela me leve. — Mantive minha voz firme, sem dar espaço para a hesitação que ameaçava se instalar. — De qualquer forma, desejo-lhe sorte na sua reeleição, e pode ter certeza que meus artigos sempre refletirão a verdade que o povo merece.
— Entendo. — Ele finalmente respondeu, sorrindo de lado. — Mas saiba que a oferta continua de pé, caso mude de ideia.
Despedimo-nos de maneira formal e, ao sair do restaurante, senti um misto de alívio e determinação renovada. Ele podia ser charmoso, manipulador e até mesmo intrigante, mas não me deixaria ser mais uma peça em seu jogo. E, se ele pensava que estava fora de perigo, estava muito enganado. Agora, mais do que nunca, eu estou determinada a desvendar todos os segredos por trás das quartas-feiras do prefeito. Não por curiosidade, mas por justiça.
Revisão: Fabiana Nichelli