E se…
Percebo-me uma viajante cheia de bagagens
Eu entro aqui, caio ali, procuro por outro lugar
E as bagagens não se perdem - talvez deveriam
Abro os olhos e a terra árida se expande até as vistas confundirem se a pequena pedra está a um palmo ou há milhares de quilômetros - talvez estejam aqui e ali
Os olhos se fecham
Caio num profundo poço que me leva para lugar nenhum
Na verdade nem sei se continuo caindo ou se estou flutuando
A privação dos sentidos faz despertar vozes, risadas, choros… vai além e me causa dúvida e outras certezas que já não sei se estão certas
São para mim, são sobre mim? Estão dentro de mim ou em algum lugar que não se inicia nem termina? - talvez este poço não tenha mais um começo nem um fim
- As bagagens: devo procurar uma para ver se encontro uma lanterna.
Não há nada.
- As bagagens estavam pesadas. Como não tem nada aqui dentro?
- Onde estão minhas coisas?
- Cadê o molho de chaves que estavam em meu bolso esquerdo?
- A bússola que meus pais me deram estavam no bolsinho da camisa.
- Talvez tenham caído quando caí aqui.
O silêncio ensurdecedor caminha com a escuridão.
- Se assemelha com o deserto que me encontrava outrora. Sem saber se a pedra estava perto ou há milhas de distância.
Repentinamente flashes atravessam aquilo que poderia ser a parede do poço e agora a impressão é de estar caindo.
- Finalmente sei que ao menos estou me movimentando. Ainda que para baixo. Logo, haverá um chão.
Hahaha. Que ideia patética é esta?
Não se envergonha de pensar algo assim?
Você caiu aqui porque tropeçou. Foi sua culpa, minha cara.
- Eu não…
Sim. Você sim. Esse poço cai quem quer. E não tem volta. Ele é como aquele deserto, porém, nem pedra haverá de ver por aqui.
O universo explodiu há milhares de milênios, mas continua se expandindo.
Não tem fim. Será para sempre expansão até que resolva se contrair novamente para um novo Big Bang - talvez não o chamem assim quando isto ocorrer.
- Que cheiro é este? Me causa náuseas. Que é isso?
Não percebe?
- Talvez eu esteja falando comigo mesma, embora seja uma voz masculina, a que me retorna. Um eco, talvez?
Talvez, talvez, talvez. Talvez pode ser uma pedra que estendendo as mãos você pega, talvez seja uma pedra que jamais alcançará. Talvez não seja uma pedra, inclusive.
- Este cheiro está me enjoando. Preciso vomitar.
Seus lábios não são mais dois. O que vomitar será regurgitado. O que você produzirá será seu próprio veneno e te afogará. Talvez.
- Não estou me mexendo mais. Estou paralisada.
Não estava caindo há pouco?
- Mas não estou me mexendo.
Como pode se movimentar caindo e não estar se mexendo?
Estrelas rasgam delicadamente os céus ao cair da noite
O poço resolve dar lapsos visuais:
Uma montanha e uma pequena árvore
Flashes rápidos.
- Que querem dizer?
Uma avalanche em direção à única árvore
Flashes.
- Ummh?!
Não há o que fazer. Eu vou passar por cima de você. Suas raízes não te permitem sair do lugar. Permaneça imóvel. Aceite. Você é uma arvorezinha e veja quem eu sou: A avalanche. Estou acima e comando a destruição.
Flashes.
BUM!
Abro os olhos e estou no deserto
Lá está a pedra. Sendo o que deveria ser: uma pedra.
- Agora descubro sobre essa pedra, se aqui está ou se lá se encontra.
Andar. Caminhar. Deslizar. Fluir. Rio abaixo. Correnteza? Marchar… marchar… marchar…
Talvez marchar não seja o melhor.
- Não ando, mas estou andando. Confuso isso. Ando mas não ando. Ando pra trás ou estou lá atrás?
- Não quero água agora, pare de insistir.
- Preciso ficar aqui. Não quero ficar aqui. Mas preciso. Preciso andar, mas não pra trás - talvez eu esteja lá atrás.
Tome esta água. Tem de várias cores. Qual você prefere? Cada uma servirá para te alimentar de diferentes maneiras. Pode ser a culpa, a gloria, o medo, o passado, a alegria, o futuro, o talvez, o talvez, o talvez, o e se… e o se… e o se…
- A fé…
Não. A fé não move montanhas, como te fizeram acreditar. A fé não evitou a avalanche de cair. O poço é seu. Você quis cair.
- Eu não quis cair.
Quis. Mas sem saber que queria.
- Quem em sã consciência cairia por cair num poço sem fim?
Quem em sã consciência plantaria uma árvore ao pé de uma montanha cheia de neve?
- Eu sou uma pessoa correta, justa. Não cairia num poço por cair num poço.
E precisa dizer sobre justiça sendo que a pedra é pedra por ser pedra?
- Eu não quis cair no poço.
Talvez você não queria cair no poço. Mas caiu.
- Você disse que eu cai porque quis cair.
Talvez estar lá te conforte de alguma forma.
Talvez, talvez, talvez… e se… e se… e se…
Nado em águas turvas
Tem gente agoniando debaixo delas
Algumas se decompondo
- Não quero comer agora.
Mas você não precisa?
- Preciso, mas não quero. Não sinto fome. Essa água é nojenta, me dá ansias. Só de pensar… argh!
A pedra é pedra por ser pedra. Ela foi. Ela é. Ela está. Ela será.
Avisto um oasis em meio ao deserto.
A pedra está no local de sempre e não sei se está perto ou longe.
Este oasis… Real? Imaginário?
Cada passo em direção a ele se torna mais distante.
Estou andando para trás? - talvez eu esteja lá atrás.
Vejo que caiu no poço de novo. Gosta daqui?
- Eu não. Eu odeio aqui. Não sei mais quando vou sair novamente.
O que busca aqui afinal? Me parece que gosta de estar aqui. Onde nada existe a não ser sua existência.
- Eu não busco nada aqui. Quero sair daqui.
Não acho que queira. Senão não teria voltado.
- Está além do meu querer. É algo que me puxa para cá.
Você está dormindo ou está acordada?
- Não sei se é um sonho, se estou acordada, se misturo fantasia com realidade. Mas quando desperto aqui, é um terror.
Talvez… talvez… talvez…
O que está buscando aqui? Acha que o que precisa achar achará aqui?
- E se… e se… e se…
E se? A pedra continuará sendo pedra até depois da sua existência se esvair um dia.
- Aquela árvore não deveria ter sido derrubada por aquela avalanche. Foi injusto. Errado.
Suponho que ela não tenha havido de envergadura moral, por assim dizer.
- Exatamente. Como leu minha mente?
Eu sou você. E eu sou eu. E eu sou tudo e nada ao mesmo tempo. Posso ser um segundo ou uma eternidade. Depende de como você quiser que eu seja. Posso ser uma árvore solitária, uma avalanche, um deserto ou um poço. Ou uma pedra… uma pedra… uma pedra. Não é esta a pergunta. É o que você quer fazer com a resposta.
- Preciso me despir quando sair dessa água
- Tenho nojo disso em mim.
- Não quero comer. Não quero água.
- Tenho nojo dessa água, mas não fiz nada para sair dela.
A água continuará existindo. Você não a quer, mas ela quer te inundar. Aceite.
- Estou paralisada novamente. O que eu fiz?
O quê você fez é a pergunta ou a resposta?
A água é água, assim como a pedra é pedra, a avalanche é a avalanche, o deserto é o deserto e a árvore é a árvore. E se… e se… e se…
E se a pedra fosse o deserto? Talvez o seja. Várias pedras com os milênios se esfarelaram e formaram os grãos de areia. Mas aí o deserto se chamaria pedra e a pedra, deserto. E se… e se… e se…
As coisas foram, são e serão, independente de como chamaremos, continuarão em suas próprias definições.
E se você não estivesse paralisada agora, mas há um segundo estava? No segundo anterior que podia fazer?
- Reagir.
Mas reagiu? Essa é a pergunta ou a resposta?
E se… e se… e se…
Talvez… talvez… talvez…
Sim senhor.
Não senhor.
Abaixo minha cabeça.
Aceito.
Medo.
Angústia.
Raiva.
Choro.
Desespero.
Ódio.
Justiça.
E se… e se… e se…
- Na avalanche, a árvore foi derrubada ou as raízes conseguiram mantê-la em pé?
E se… e se… e se…
Esta somente você poderá responder.
Até breve