Resiliência

O sábado se revelava um dia crucial na semana para Zeca. Aos treze anos ele se dedicava nesse dia, independente das condições meteorológicas, a ganhar seu próprio dinheiro. Este provento era fruto da sua dedicação e iniciativa, evitando assim a necessidade de depender de terceiros.

Quando os primeiros raios de sol iluminavam seu rosto ele despertava bem-disposto. Vestia seu calção azul-marinho, uma camiseta branca e calçava o tênis da marca Conga. Após saborear seu café da manhã, pegava seu carreto de madeira e partia alegre para a tradicional feira livre de sábado, onde desempenhava um trabalho importante: ajudava as senhoras a transportarem suas compras até suas residências.

Zeca chegava cedo, posicionando-se na entrada da feira com outros meninos que também realizavam serviços de carreto. Ele anunciava seus serviços para atrair clientes, gritando "Carreto, moça!". Entretanto, conforme o tempo avançava, essa medida já não se fazia mais necessária, dado haver se estabelecido uma clientela fixa. As senhoras chegavam e depositavam suas sacolas vazias no carrinho de madeira de Zeca, que gentilmente as acompanhava ao longo da feira até suas respectivas moradas.

O mercado ao ar livre iniciava-se às sete da manhã, estendendo-se até às duas da tarde. Durante essas sete horas Zeca conseguia realizar seis transportes, devido à proximidade das residências das clientes. Ao longo do trajeto entre as barracas, era comum as senhoras oferecerem frutas e pastéis como merenda. Embora o transporte não tivesse um preço definido, os clientes pagavam bem e deixavam gorjetas. Os feirantes sempre reconheciam Zeca, cumprimentando-o e ele respondia com um sorriso constante, "Olá! está tudo bem Sr. Antonio ou Sra. Maria ...". Ele se sentia satisfeito naquele ambiente e apreciava o seu trabalho.

Quando terminava a feira, Zeca guardava o dinheiro que havia ganho com seu lavor no bolso do calção. Alimentado com frutas e pastéis, não seguia direto para sua casa com seu carrinho de madeira, antes ele fazia uma parada no bazar da Sra. Kioto. Neste comércio, comprava tudo que necessitava para criar o seu próprio brinquedo e diversão: diversas folhas coloridas de papel de seda, sendo suas cores preferidas azul, amarelo, vermelho, verde e branco. Um carretel da linha número dez e varetas japonesas para confeccionar a estrutura das suas pipas. E ainda lhe sobravam alguns trocados para lanche na escola.

Numa tarde ensolarada de sábado, o vento agitava as folhas das árvores anunciando um bom tempo para empinar papagaios. Na calçada em frente da sua casa, Zeca manejava folhas de seda, vareta japonesa, arroz cozido como cola e fazia uma pipa. O professor Darcy que morava na mesma rua e lecionava história na sua escola, aproximou-se e disse: pelo visto irás construir um belo quadrado. Porventura, o jovem conhece a origem da pipa de papel? Não, professor Darcy, mas tenho curiosidade, o senhor poderia me contar a história.

Claro, afirmou o professor: é contada a lenda de que a pipa nasceu na China antiga por volta de 1200 a.C., fabricada com seda e bambu. O primeiro registro escrito sobre papagaios empinados data de 200 a.C. Documentos mencionam arraias enormes, aptos a transportar um homem através do ar, destinados a observar a posição do adversário. Os movimentos e as cores dos quadrados eram mensagens transmitidas à distância entre grupos militares. Ao longo dos tempos os papagaios de papel foram utilizados em diversas áreas como a ciência, meteorologia, construção civil e fotografia. Político e inventor americano Benjamin Franklin fez uso de uma pipa de papel presa por um fio metálico para comprovar que os raios são descargas elétricas. Este experimento levou-o a inventar o pára-raios em 1752.

Professor, disse o Zeca, é fascinante! Eu desconhecia que a tradição de empinar pipas de papel é tão antiga e ainda é preservada até os dias atuais. Além disso, desempenhou um papel importante no avanço da ciência e tecnologia. No princípio, empregamos bambu para formar varetas pentagonal. Com a escassez deste material, optamos pela substituição por varetas japonesas de madeira. Com isso, é possível montar a estrutura da pipa. Em seguida, aplica-se papel de seda colorido, cujas margens são grudadas com arroz cozido. Para as rabiolas, utilizamos tiras de sacos plásticos que são presas à linha com laços de meio giro e colocadas uma após a outra, formando uma espécie de franja. Geralmente, a extensão desta cauda é de quatro metros, pois quanto maior a cauda, maior é a estabilidade das pipas em voo.

Após a conversa com o Professor Darcy, Zeca finaliza a construção de sua pipa. Enquanto aplicava o cerol na linha, ele ponderou sobre a fascinante história das arraias que o professor havia contado. No início, esse brinquedo aéreo era usado em situações de guerra para monitorar inimigos e também desempenhou um papel significativo na ciência.

Agora, para voar pelo céu, precisamos nos proteger dos papagaios inimigos com um cortante. Este é feito martelando um frasco de vidro dentro de um pedaço de pano até virar pó. Depois misturamos o pó na água com a cola de sapateiro e aplicamos na linha da pipa de papel. A vitória na disputa é determinada pela habilidade de empinar a pipa.

Durante o verão, época de empinar papagaios, Zeca passava longos períodos sob o sol, elevando suas pipas e admirando-as no céu. No entanto, no dia seguinte, ele acordava com um desconforto nos olhos. Seus olhos ficavam cobertos por uma crosta amarela, que ele removia todas as manhãs lavando o rosto com água morna, permitindo-lhe recuperar a visão.

No manusear a linha áspera coberta de pó de vidro das suas pipas, Zeca havia machucado o dedo indicador de sua mão direita, comprometendo sua flexibilidade. Contudo, ele encontrou uma solução para amenizar esse desconforto: envolvia o dedo lesionado com um pedaço de tecido. Ele estava disposto a enfrentar todos os obstáculos pelo prazer de ver sua pipa dançar no céu. Quaisquer dificuldades eram esquecidas. O incômodo se desvanece assim que o vento soprava e seu papagaio ascendia o firmamento, conectada apenas por um carretel de linha.

A mais esplêndida pipa que Zeca construiu estava finalizada. Seu feito era uma obra-prima feita de papel de seda, exibindo as cores verde, branco e vermelho da bandeira italiana. Impulsionada pela força do vento, o papagaio alçava ao céu. No entanto, tão logo alcançou uma altura perceptível a todas as outras pipas, os embates iniciaram. O plano de Zeca era testar a destreza de sua criação com manobras audaciosas que incluíam um mergulho acentuado, movimentos direcionais à direita e à esquerda, bem como um vigoroso ascenso para pairar no infinito azul do céu. Contudo, sem a oportunidade de executar tais manobras, ele se viu cercado por oponentes ansiosos por um duelo, tendo que reagir para garantir sua posição na abóbada celeste.

Ao atingir uma altura significativa, o oponente posicionado mais à direita avançou em sua direção com a intenção de cortar a linha da pipa, prendê-la pela rabiola e assim apropriar-se dela. Para escapar desse ataque, Zeca executou um mergulho e depois seguiu em linha reta para a esquerda. Conseguindo escapar a tempo, interceptou outra pipa que estava em sua trajetória e a cortou. Ele se empolgou ao eliminar um adversário no primeiro confronto, entretanto, ainda restavam oito competidores ao seu redor.

A sua pipa estava em uma posição avançada, deixando-o exposto aos adversários que estavam a uma distância notável. Ciente disso, ele precisava soltar mais fio, tarefa que realizou com habilidade. Contudo, os oponentes notaram sua estratégia e também liberaram mais cordas para seus papagaios. À medida que Zeca soltava mais fio para sua pipa, o indicador protegido por um pedaço de tecido rasgou-se cortando o seu dedo que começou a sangrar. Zeca pegou um pedaço de madeira do chão no tamanho adequado para seu dedo, refez o curativo colocando a madeira sobre o indicador a fim de evitar mais cortes da linha e estancar o sangramento.

O sol estava no seu ápice, emitindo raios tão potentes que pareciam fazer o asfalto fervilhar, quase a ponto de evaporar. Zeca ansiava por uma sombra refrescante, mas o desafio de empinar pipa exigia movimentação constante na rua. O brilho ofuscante do sol provocava uma ardência intensa em seus olhos, quase como se tivesse duas esferas em chamas na sua visão. Ele desejava aliviar coçando, porém, isso agravaria a situação. Lágrimas escorriam pelo seu rosto. Enquanto o curativo de tecido, enrolado com um pedaço de madeira no seu dedo indicador, havia contido o sangramento, mas impedia que ele sentisse a fricção da linha quando outra pipa se aproximava.

Embora Zeca enfrentasse desconforto com o tato e a visão, ele jamais se dava por vencido. Poderia ter guardado sua pipa e voltado em outro dia, mas teimoso como era, insistiria até o fim. Sua habilidade proficiente em empinar pipas e seu costume de nunca desistir permitiram-lhe superar mais um oponente com uma manobra estratégica à direita. Enquanto isso, os outros competidores também estavam em plena disputa, eliminando mais dois adversários. Agora, apenas cinco restavam, com Zeca no centro. Nessa posição, no entanto, ele se tornou muito vulnerável aos ataques inimigos. Para piorar a situação, seu carretel de linha se esgotou, tornando-se assim um alvo fácil para ser atacado.

O perseguidor persistente de Zeca era um papagaio vibrante, tingido em tons de verde e amarelo, que já havia realizado duas tentativas de ataque, sem sucesso. Graças à sua destreza com pipas, Zeca conseguiu se desviar. Contudo, agora, ele se encontrava encurralado, cercado por quatro adversários, independente da direção que escolhesse para fugir, a única opção que lhe restava era esperar e reagir.

Zeca estava familiarizado com a estratégia de seu adversário. Este, equipado com uma linha mais longa e mantendo uma distância segura, tentaria cortar sua pipa e pegá-la pela cauda. Quando o oponente se aproximou, Zeca agiu de maneira rápida e eficiente: deu um puxão forte na tentativa de secionar o agressor. Mas ele sentiu o corte da linha, seguido de uma leveza, similar à de uma flor levada pela brisa. Seu belo papagaio foi levado pelo vento.

Enquanto enrolava a linha no carretel, Zeca erguia o olhar para o céu, admirando sua pipa voar livre com o vento. Quando a pipa desapareceu no horizonte, ele dirigiu-se para casa, com um semblante triste e cabisbaixo. No entanto, no caminho, encontrou o professor Darcy que lhe aconselhou: "Zeca, perder uma batalha não significa perder a guerra. A vida é repleta de lutas constantes. Não desanime frente aos desafios. Persista e mantenha a motivação, pois isso já faz de você um vencedor!".