Como um barco a vela

Sou eu quem sou o barco, o vento me leva quando sopra a vela e sigo sem rumo, pois esqueço o que aquece e move o meu coração. Muitas vezes naufraguei, por quebrada, ser tomada pela água. Outras tantas fiquei presa na lama, já até congelei frente a obstáculos - que pensando ser canoa, acreditei que não fosse dar conta. Ondas imensas me engoliram pois não enxerguei o meu tamanho real no reflexo do Oceano. Segui com a terra à vista e esqueci que nem tinha a deixado, incapaz de sair do lugar. Mirei o horizonte e me naveguei sem um mapa, mas me perdi na vastidão do mundo. Nessa jornada, muitas bençãos me tocaram: me iluminei com as estrelas, experimentei o sal, senti o abraço do mar, recebi o conselho dos ventos, escutei o canto das sereias, encontrei as baleias, ancorei nos meios, me aqueci com o sol, me esfriei com a noite, me tornei aprendiz do Povo das águas e dos ventos e de seus elementos, compreendi o que habita nas profundezas e o que navega na superfície, vivi a morte e despertei a vida. Só hoje recordei e acordei, porque após retornar pra terra, passei uma eternidade atracada e amarrada ao cais -com medo do Medo. E essas lembranças chegaram do Mar em pequenas ondas que me balançaram - e nessa dança, se expandiram em mim - reverberando em meu coração essa grande lição da vida vivida, das aventuras que me levaram a tantos lugares, nem sempre desejados, mas com uma diversidade de ensinamentos preciosos e pérolas de memórias e histórias; movimentos que carrego em meus baús trancados, mas que hoje se abriram me lembrando quem sou. É tempo de navegar novamente, vou me perder no horizonte pra me reencontrar - apenas quando permito tocar e ser tocada por essas águas é que crio vida, pois o destino de um barco é o Oceano.