EM MINHAS ANDANÇAS
Já fazia alguns anos que Amaro saíra de casa. Eu o conhecia do lugar onde crescemos. Ele era um rapaz decidido e atinado, meio “abilotado”, dizia sua mãe. Durante uma de nossas conversas, eu ouvi do mesmo os causos que se seguem.
Em uma de suas viagens à procura de trabalho, depois de muito andar, ele soube por informações, de uma olaria na região onde se encontrava, que estavam contratando. Em busca da oportunidade, chegou a um lugar aberto com um grande barracão envelhecido e bancadas de madeira quase caindo. Não se via ninguém ali, o expediente já havia se encerrado e ele caminhando até a casa mais próxima, bateu palmas.
— Eu gostaria de falar com o gerente do lugar. — Disse ele a um senhor cinquentão que apareceu sem camisa na varanda.
— Sou eu mesmo. — Respondeu — É sobre serviço?
— É sim senhor. — Disse ele.
— E você sabe fazer tijolo?
— Sei sim. Eu ajudei a fazer os tijolos da casa de meus pais. Tinha uma lagoinha com um bom barro lá perto de casa.
— Pois então você pode dormir naquela tuia, que amanhã eu lhe mostro o serviço. — Disse o senhor, apontando para um depósito ao lado.
Ele achou aquela atitude um tanto estranha. Pensou que lhe mostrariam um lugar para o banho e que lhe dariam algo para comer, mas pela necessidade de um trabalho, caminhou para a tuia e procurou se abrigar, pensando: “Ele deve estar com algum problema, amanhã as coisas se ajeitam”.
Na manhã seguinte, havia várias pessoas naquele barracão, cada um procurando o seu serviço. Amaro se aproximou e lhe mostraram uma bancada vazia onde ele deveria trabalhar. O barro já estava pronto e com uma fôrma de madeira ele começou a moldar e cortar os tijolos e os colocar ao sol, no terreiro, para que secassem.
Ao meio-dia, Amaro já havia acumulado algumas fileiras de tijolos, mas estranhou que ninguém havia lhe chamado para o almoço, sendo que os outros trabalhadores já haviam parado há pelo menos uma hora. Continuou trabalhando, enquanto o seu estômago roncava. Guardava a esperança de que alguma criatura o chamasse, e torcia para que aquela situação se normalizasse.
— Diacho de fome. — Resmungava ele, sentindo-se premido e impotente com aquela situação.
Com o passar do tempo, o seu humor minguou e a sua personalidade forte começava a dar sinais de vida. Sozinho naquele barracão, e já enfadado com o cansaço e a fome, parou de trabalhar, olhou em volta percebendo que já passava das treze horas, e um trabalhador não deveria estar naquelas condições.
Os minutos se arrastavam vagos e imprecisos. De repente, Amaro tomou uma atitude imprecisa e determinada.
Numa fúria impetuosa, saiu correndo e pulando pelo terreiro, passando por cima dos tijolos enquanto os quebrava e os amassava, destruindo assim toda a sua enganosa produção. Marchando em direção à tuia, agarrou o seu pequeno saco de roupas e utensílios e saiu, pegando o rumo da porteira.
Depois de muito andar estrada afora, e já com a tarde se esvaindo, passou por uma propriedade onde várias pessoas construíam um curral. Ele, mais calmo e conformado, dirigiu-se até as pessoas, perguntando:
— Com licença, quem é o encarregado? — Apontaram para um senhor de chapéu preto que o olhava enquanto ele se aproximava.
— Boa tarde. — Saudou. — Tem emprego por aqui?
— O que o senhor sabe fazer? — Perguntou o homem.
— Eu sou apontador de obras. — Respondeu, pensando em tirar vantagem da situação, passando o dia a fazer registros e controle de estoque.
— Pois apontador aqui fura buraco e carrega palanque. — Retrucou o encarregado.
— Então? É isso mesmo que eu faço. — Tentou novamente. — Sou forte, ligeiro e aprendo rápido.
— Tá certo. Então pode começar amanhã.
Amaro suspirou aliviado, agora poderia comer, dormir e ganhar o seu tão sonhado dinheiro. Mas teve que aceitar o apelido de “apontador” que os colegas de trabalho colocaram nele, relembrando, com fartas risadas, o episódio de sua chegada à fazenda. Amaro ponderou sobre o contraste dos recentes acontecimentos em sua vida e agradecido, lembrou-se de um conhecido ditado que diz:
“Mais tem Deus pra dar do que o diabo pra carregar.”