De volta ao jogo

Diante do radiotransmissor de longo alcance na base antártida da Nova Suábia, o engenheiro Albwin Hutto ouvia com impaciência crescente o importante interlocutor que falava com ele desde o Centro de Pesquisas do Exército, em Peenemünde. O homem estava compreensivelmente estressado, e as respostas do líder e idealizador da Operação Hochburg não pareciam estar contribuindo para acalmá-lo.

- O que você sabe sobre a convocação da SS-Oberhelfer Ermintrude Kästner Friedmann? - Insistiu o general Paulus Cossmann. - Não pode convencê-la a virar o jogo ao nosso favor?

- General... não fui eu quem chamou a Oberhelfer Ermintrude Friedmann - recordou pacientemente Hutto. - Foi Samaria quem disse que gostaria de vê-la. De mais a mais, ela vai levar vários dias para chegar até aqui, mesmo usando os meios de transporte mais rápidos de que podemos dispor; nesse ínterim, a nave russa já terá pousado e o seu conteúdo recuperado. Até onde sabemos, Samaria é uma entidade extremamente poderosa, mas não creio que possa fazer o tempo voltar atrás.

Paulus Cossmann acusou o golpe e calou-se momentaneamente. Sim, se não fosse pelo plano de contingência de Hutto, agora não teria sequer a sombra de uma possibilidade para reverter o desastre causado pelo major Kurt Wendlinger, um seu protegido que havia falhado miseravelmente no cumprimento da missão lunar. Com isto, as pretensões de dominação cósmica do Großes Deutsches Reich, haviam sofrido um golpe de morte.

- Desculpe, Herr Hutto - disse o general. Pelo tom de voz, parecia querer reconciliar-se com aquele que talvez fosse a sua última esperança de reverter um fracasso praticamente consumado. - Preciso acreditar que ainda temos uma chance... mesmo depois do fiasco do major Wendlinger. Por favor, me diga que há algo que possamos fazer.

Hutto não gostaria de tornar as coisas mais fáceis para o general, o qual inicialmente desdenhara da sua proposta de ficar a postos na Antártida, caso algo desse errado com a expedição lunar (como de fato dera). Se o fracasso era de Cossmann, os louros também seriam, se Wendlinger não tivesse posto tudo a perder; em última análise, contudo, o desfecho negativo da missão lunar iria repercutir em todos os habitantes do Reich, e Hutto, como bom patriota que era, concluiu que seria melhor tentar ajudar Cossmann, embora não soubesse exatamente como.

- General, Samaria realmente solicitou a presença de Ermintrude Friedmann, - recapitulou - mas acredito que seja mais uma deferência às integrantes da Tríade, que conseguimos configurar, não uma possibilidade de que pretenda virar a mesa a nosso favor. Na verdade, Samaria sempre deixou claro o quanto era crítica em relação à nossa sociedade; que pessoalmente preferia que os ingleses ou os russos vencessem a disputa... mas que também não iria interferir nem favorecer qualquer um dos lados. Também ressaltou que caso tentássemos derrubar a nave russa durante a reentrada, sofreríamos consequências graves, e eu não tenho a menor dúvida de que ela pode perfeitamente cumprir a ameaça.

- E se não tentássemos derrubar a nave? - Atalhou o general. - Depois da manobra que fizeram para destruir a RR "Eroberer", queimaram boa parte do combustível que seria necessário para reentrada... o local de pouso ainda está sendo determinado, mas certamente não vai ocorrer no Cazaquistão, de onde partiram. Esse canal é seguro?

Hutto ergueu os sobrolhos.

- Perfeitamente seguro, general, ou não estaríamos tendo essa conversa via rádio - redarguiu o engenheiro. - O que o senhor tem em mente?

- Samaria especificou que não deveríamos tentar atacar a nave russa durante o processo de descida; mas falou algo sobre não podermos recuperar o que é nosso, no solo? Depois que pousarem?

- Bem... ela nada falou sobre isso - admitiu Hutto, pensativo. - Em tese, as regras são as mesmas que seriam usadas na Lua: vale quase qualquer coisa, desde que a nave tenha pousado - menos destruir o objetivo. Não podemos, por exemplo, disparar uma barragem de mísseis contra o local de pouso.

A confiança parecia ter voltado a voz do general.

- Então, ainda temos uma chance, Herr Hutto! Se a nave russa pousar em qualquer lugar próximo da nossa área de influência, vamos lançar um ataque para capturá-la intacta.

- Qualquer lugar? - Hutto franziu a testa, desconfiado. - Mesmo que isso signifique quebrar o Armistício?

- Em poucas horas saberemos o local exato - redarguiu Paulus Cossmann, ignorando as perguntas. - O OKH já disponibilizou tropas de deslocamento rápido para essa eventualidade. Eu vou agora comunicar à Reichsführerin que temos um plano B... e tirar esse peso de cima dos meus ombros!

Afinal, era disso que se tratava, pensou Hutto: tirar o peso de cima dos ombros, passar a responsabilidade para algum outro idiota.

- E se não der certo, o senhor ainda tem o meu plano de contingência, general - lembrou humildemente o engenheiro. - Pode chamá-lo de plano C, se quiser: a reunião de Samaria com Frau Friedmann.

O general estava pronto para afirmar que, desta vez, tudo daria certo e que não iria precisar de nenhum plano de contingência, mas já errara feio uma vez e não queria correr o risco de pecar por arrogância, como da última.

- Eu espero sinceramente não ter que precisar novamente da sua intervenção, Herr Hutto, mas fico grato que esteja sempre tentando antecipar todas as possibilidades - foi a resposta diplomática que deu.

- É um prazer poder contribuir para a grandeza do Reich, general - agradeceu com modéstia o engenheiro.

- Heil Hitler! - Exclamou o general, dando por encerrada a transmissão.

- Sieg Heil! - Respondeu Hutto, com um pouco menos de entusiasmo.