Vampiro Capa Branca

No coração das montanhas de Minas Gerais, em uma pequena vila esquecida pelo tempo, vivia um vampiro chamado Capa Branca. Ele usava um terno preto, uma gravata de renda e de laço, e uma capa estilosa branca com a gola prateada. Por séculos, Capa Branca percorreu as noites escuras, saciando sua sede com o sangue dos desavisados. A rotina, entretanto, começou a pesar-lhe a alma imortal. Ele desejava algo novo, algo que fizesse seu coração morto bater novamente.

Foi em uma noite de lua cheia, enquanto rondava as ruas empedradas da vila, que Capa Branca encontrou algo inusitado. O cheiro forte e doce o atraiu até uma pequena aldeia Tupi-Guarani, onde alguns índios se reuniam para beber e conversar. Curioso, ele entrou silenciosamente e observou os índios beberem em pequenos copos de cerâmica. A bebida que emanava aquele aroma inebriante era a famosa cachaça, destilada artesanalmente pelo cacique daquela pequena aldeia.

Capa Branca, movido por uma curiosidade irresistível, decidiu experimentar. Pediu um copo ao pajé da tribo, que, assustado, lhe entregou a bebida com mãos trêmulas. O vampiro levou o copo aos lábios e sentiu o líquido descer queimando sua garganta. A sensação era diferente de tudo que já experimentara. Uma onda de calor percorreu seu corpo, e por um breve momento, ele sentiu-se mais vivo do que em séculos.

A partir daquela noite, Capa Branca decidiu abandonar o sangue e dedicar-se à cachaça. Ele não só bebia na aldeia indígena, como também começou a frequentar botecos e bares da vila. A princípio, ele aparecia onde havia uma festa, seja pública ou particular, e só saía quando estava totalmente embriagado todas as noites, tornando-se uma figura conhecida e, de certa forma, respeitada entre as pessoas de toda aquela região. Sua sede agora era saciada pela aguardente, e ele encontrou prazer em compartilhar histórias com seus amigos de farra. Contava suas aventuras em diversos países onde morou por séculos, e também de suas paixões sanguinolentas por donzelas que se apaixonavam por sua oratória poética e sua elegância impecável. Todos o ouviam admirados. Ele sentia algo que nunca havia experimentado antes. A "mardita" o deixava alegre e ele cantava velhas canções, recordando bons tempos que viveu na Transilvânia, terra de seu mais quente e duradouro romance com uma vampira filha de um nobre inglês.

As pessoas, que no início temiam sua presença, aos poucos passaram a vê-lo como um amigo exótico, mas fino, cortês e extremamente galanteador e educado. Capa Branca, com seu charme imortal e uma dose de cachaça na mão, tornara-se um boêmio já que era uma criatura nuturna. Aprendeu a tocar violão e a fazer serenatas para suas admiradoras nas varandas de seus sobrados. Trocou seu velho caixão de madeira de carvalho por uma cama de mogno, madeira nobre contrabandeada da Amazônia.

Os anos passaram e todos o conheciam como Capa Branca, o vampiro da cachaça, um ser que trocara o sangue dos vivos pela bebida dos mortais. E assim, ele seguiu sua eternidade, encontrando na cachaça uma nova razão para viver – ou ao menos, para continuar existindo – entre risos, brindes e a companhia de lindas mulheres da pequena vila mineira. Mas os anos foram passando rápido como uma sombra, e suas amigas e amantes foram morrendo, enquanto a região se tornava mais evoluída. Capa Branca foi se afastando da modernidade do lugar que ele amava, mas não se afastava da cachaça, que era a única companhia que ainda continuava a mesma, assim como ele, que não mudara nada. Hoje, Capa Branca vive em uma reserva indígena e é o dono do alambique da aldeia que leva seu nome: Alambique Capa Branca. E sempre, quando está bem animado, diz aos amigos: "Só existem três coisas eternas nesse mundo: Deus, eu e a cachaça."

Alexandre Tito
Enviado por Alexandre Tito em 20/05/2024
Reeditado em 21/05/2024
Código do texto: T8067684
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