Pacto

Fim de tarde, o sol estava quase ausente, sai caminhando com meu passo desequilibrado, com meu ritmo desengonçado, e com meu saracoteio desajeitado, como a desmistificação de uma escola de samba. Com meu caminhar risível... Eu ia cabisbaixa.

Comecei o meu percurso a partir da praia de Cabo Branco e fui até o início da praia da Penha. Eu andava pela areia embebida por toda aquela água salina, tal local beirava o balé clássico da maré: ondas se quebravam, as quais me acertavam as canelas, e respigavam até a altura dos meus joelhos.

Andei até desaparecer da minha vista a sombra de algum banhista. Mais adiante resolvi subir um pouco mais a planície de areia branca, chegando, então, à areia enxuta, sentei-me, nela eu desaguei o meu dilúvio, olhando em direção ao mar. Eu me interrogava se era possível chorar toda aquela água do oceano e, dessa forma, destruir as afetações, ou se o necessário mesmo seria endurecer como um solo castigado por uma forte seca para, assim, aprender a lidar com ser humano, com as infames provocações humanas – surgidas da deformidade cruel, a inexatidão nas mentes das pessoas – como libertar-se?!

Ao meu lado, encontrei um punhado de conchas junto às estrelas-do-mar, não resisti à ideia, segurei uma boa parte delas, levando-as com cuidado até o mar. Eu devolvi cada uma delas ao seu habitat, era incrível a onda de felicidade que me atingia. Parecia até que cada uma daquelas estrelas e conchas me recompensava pela ajuda, me passando uma sensação muito boa, eu me sentia necessária naquele momento. Inelutáveis eram as palavras de Álvaro de Campos que se revolviam, bem dentro da minha cabeça, com um timbre suave: “O dominó que vesti era errado/ Conheceram-me logo por quem não era/ Quando quis tirar a máscara/ Estava presa a cara”. Sofri análises repentinas dos problemas cotidianos, pelos quais todos nós passamos. E senti que o mundo todo estava indo para um grande baile funk, enquanto eu resolvi ficar sozinha em casa, ouvindo blues e jazz. A responsabilidade é sempre mais árdua quando se rema contra correnteza. E a unanimidade é o pior dos ice-berg’s. O ar atmosférico me fez uma interrogação:

- Mas por que esta necessidade de querer sempre chocar as pessoas, e depois se isolar?

Não... Eu não quero chocá-las, e se isso ocorre, talvez seja pelo fato de que eu não fale a linguagem que elas me ensinaram. EU CRIEI MEU PRÓPRIO DIALETO! Sendo assim, acredito que seja por isso que o ser humano não me compreenda, ou simplesmente, seja pelo fato de que ela, a espécie humana, não se importe com o que eu digo, e ainda, quem sabe também não se importe com qualquer tipo de existência metafórica. Só que eu me importo com absolutamente tudo, eu sempre presto atenção nas vidas que me cercam, e ao que elas têm a me dizer (nada que tenha vida e raciocínio é inaudível, cada um de nós tem algo a dizer, e nos limitamos à realidade literal. Por quê? Por que é o mais fácil?!). Eu até me importo com a parcela aparentemente insignificante, pois é sempre a parte principal. Entretanto, eu analiso do meu jeito distraído – mas a minha observação pode ser perita – e a partir daí é que nasce um grande abismo, entre a humanidade e eu. Impossível chegar ao outro lado!

Passou outra forte corrente de ar, e, desta vez, os alísios me deixaram um ensinamento:

-Então, fale! Exponha-se... no silêncio ninguém irá te ouvir!

Ora, eu acredito que o silêncio tem sido a minha melhor resposta. Portanto, eu prefiro explicar-me para sol, para lua, para o mar, a natureza, enfim, ela seria capaz de me entender, ela sim me ouviria. Eu devo dizer que o meu almejo de obter a compressão humana está morto e sepultado! Jamais ele habitará, novamente, uma vontade minha - sequer inconsciente!

Depois da lição do vento - a qual eu redargui sem medo - sai correndo pela praia. O vento, possivelmente surpreso com a minha resposta, tocava os meus cabelos, os quais se estendiam como uma roupa de algodão no varal... As minhas pegadas ficavam em terra úmida. Eu sentia a água entrar pelos meus poros. A espuma escorregava na minha pele rapidamente. E eu gritava. Abria os braços, fazendo a pose tão conhecida do Cristo Redentor. Naquela hora senti a eminente vitória de um time no maracanã, o juiz em quinze segundos ergueria o braço, um torcedor fanático iria ao delírio, quem dera fosse do flamengo! Senti algo parecido com que deve sentir um corredor da São Silvestre, quando atravessa a faixa em primeiro lugar. Tive a impressão de ter chegado ao lugar mais longe em que já estive. E foi lá que a vi, senhores, eu a encontrei:

- É ela! É ela! É ela!

Eu podia senti-la em meus braços, o que me deixava trépida, porém me sobrevinha uma alegria. Beijei-a. Eu a via branca, forte, indomável, seu olhar imperial, seu semblante tão manso quanto uma ovelha, tão envolvente... Deixei-me estar com ela.

E me acordei. Estava deitada na areia da praia, mais abaixo vi meus amigos reunidos em círculo, no meio deles tinha uma fogueira, e jogavam conversa fora. A lua estava cheia: linda! A luz do farol do Cabo Branco iluminava ainda mais aquela vista suntuosa. Fiz uma espécie de pacto. Juntei as minhas mãos, enfiando-as na areia. Ajoelhei-me. Notei que estava um pouco tonta, ao meu lado uma garrafa de vinho do Porto pela metade e algumas latas de cerveja, todas elas vazias. Prossegui com o juramento, pronunciando, bem baixinho, as palavras mágicas, que inventei de improviso: “Com ela... criarei outro mar, o meu próprio mar...!”

Zabft... Cai lentamente no chão, como um pacote leve. Estiquei as pernas. Abri os braços num ângulo de 180º. Não contive o choro e a risada, que ocorreram simultaneamente.

- Ela me trouxe até aqui... Eu sempre estive a procura dela. Nunca a achava, e hoje estou aqui e ela está comigo! Enfim, encontrei-a...! Estou livre... De uma maneira inacreditável! Corri muito para está aqui, onde ela quis me levar, eu disse com firmeza.

E foi naquela noite, leitores amigos, que segurei nos meus braços a liberdade, foi ela que passou bem do meu lado, lá na praia. E agarrei-a firme, finalmente, pude conhecê-la. Desde este acontecimento, tenho conversado com vento e sungado o que há de bom nele. Tirando as minhas próprias conclusões – montei minha biblioteca!

Agora é ela, a liberdade, quem me conduz! Cessei minha incansável procura.

Sigo avante, ébria, com meu passo desequilibrado, com meu ritmo desengonçado e com meu saracoteio desajeitado...

Luana Zenaide
Enviado por Luana Zenaide em 25/03/2024
Código do texto: T8027499
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