O caso do jacaré
Os moradores de Rubens têm uma interessante história para contar. A pequena vila se encontra em Pernambuco, em um pequeno mangue ainda não muito visitado. Descobri o local e a história enquanto pesquisava, estava procurando algo interessante para usar de matéria.
A vila, como já dito, era bem pequena, apenas cinquenta moradores, por isso não foi dificultosa a tarefa de reunir informações. Todos cooperavam de bom grado para a investigação, embora as vezes se entristecessem enquanto falavam das partes mais trágicas. Também tive acesso aos diários de alguns moradores, o que me fez confirmar que a história era verídica.
Comecemos, obviamente, pelo início, cuja testemunha tive um pouco de dificuldade em entrevistar. Seu Zé Antônio, um velho com seus 60 anos, foi pescar junto ao seu cachorro perto de um rio do mangue. Seus 30 anos na época foi a única lembrança boa que teve do acontecimento, pois passou o ano inteiro traumatizado pelo ocorrido.
Horas se passaram e nada no anzol ou em visão, o cachorro, Rodolfo, no entanto, havia se assustado com algo. Seu Zé não se importou, achando que o animal estava apenas fazendo graça. Grande erro. Por de baixo das águas vinha ele, o Jacaré. Soberbo em altura e largura, o ser abominável tinha o tamanho de uma casa de dois andares.
Diziam os moradores que ele veio de Rio Doce, bairro de Olinda, onde comeu muita tartaruga e ficou assim. Algo claramente inventado, se fosse em Rio Doce todo mundo já teria visto o animal e ele teria sido pego.
Então lá foi o réptil, passando pelos barcos do pobre Seu Zé, que insistia na falta de confiança no cachorro, mesmo quando este havia começado a o morder. O bote veio de baixo para cima, levando o barco inteiro com ele. Seu Zé e o cachorro, que estava em seu braço, ficaram presos na garganta do animal devido a linha e o anzol, que se prenderam entre os dentes do bicho. O velho, na época adulto, atribuiu esse milagre a Santo Antônio, do qual era muito devoto e que era seu onomástico.
Os dois escaparam logo que o Jacaré abriu a boca para um bocejo. O velho, sempre lembrando que era jovem, jogou o anzol no olho do Jacaré, dando-os tempo para fugir, porém, atraindo o réptil até a vila.
Foi um alvoroço, todos correram para dentro de suas casas, mantendo-se escondidos. O Jacaré ficou estacionado no meio do local, provavelmente procurando Seu Zé, pelo que dizem os habitantes.
Passou tarde e noite, só então o animal partiu. Todos ficaram aliviados e se reuniram pela manhã para ir até a delegacia da cidade ao lado para pedir ajuda.
— Tudo papo de maluco. — Foi o que os policiais disseram. — Se realmente tivesse vindo de Rio Doce, todo mundo saberia.
Infelizmente os policiais tinham senso comum e acabaram não aceitando ir. Os moradores voltaram com medo de viver, não poderiam ir ao rio se o Jacaré estivesse lá, do mesmo jeito que teriam mais dificuldade de levar os barcos para o mar. Não bastava tudo isso, foi-se notado, nos dias seguintes, que o Jacaré parecia sair do rio para ir até a entrada da vila.
Temendo o pior os habitantes pensaram até mesmo em chamar os militares, mas perceberam que eles talvez não fossem acreditar também. O desespero aumentou, não sabiam o que fazer.
Mas um homem destemido, Seu Álvaro de Azevedo teve uma ideia, e aí que a história fica mais interessante. Ele reuniu todos os pescadores e homens da vila, menos Seu Zé, que embora fosse jovem, forte e cheio de vigor, estava tão traumatizado que não quis participar do plano.
Planejamento feito, todos compraram os equipamentos de caça que podiam. O corajoso Seu Álvaro, o único que tinha lancha, seria usado de isca para distrair o inimigo enquanto seus companheiros atirariam.
Ele juntou um pequeno grupo para rezar o terço em sua proteção e ao sucesso da missão. Reza terminada, ele pôs o terço amarrado em seu braço e partiu.
Todos se armaram e Seu Álvaro ficou com um grande arpão que planejava usar de lança para a batalha. Os atiradores se posicionaram em uma pequena ponte, enquanto Seu Álvaro vigorosamente ligava a lancha.
Assim que o carro do mar foi ligado o plano começou, mas o alvo nada de aparecer. Horas se passaram e a lancha foi desligada, nesse momento aconteceu.
Um dos atiradores gritou ao ver o movimento das águas e começou a disparar, levando todos a fazerem o mesmo. De nada adiantou, o Jacaré atacou por de baixo da ponte, matando 4 heróis que se sacrificaram pela causa, um deles o sobrinho de Seu Álvaro.
Entristecido e cego pela ira, ele foi com a lancha e atropelou o Jacaré, chamando sua atenção. Com isso ele percebeu a chance e começou a pilotar para longe. O Jacaré continuou o seguindo e tentando atacá-lo, mas embora fosse mais rápido, não conseguia pegar o homem de bravura com sua maravilhosa pilotagem.
Seu Álvaro viu que as armas não funcionavam, então foi o guiando e o levando para o mar. Tinha decidido que ao chegar lutaria contra a fera usando seu arpão como uma lança. Uma luta digna de Ricarte versus Galafre, Roldão versus Ferragús, Oliveiros versus Ferrabrás!
Os moradores não foram ver, decidiram ir para a vila chorar e planejar o funeral do homem mais heroico que já havia posto os pés naquelas terras. Seu corpo iriam procurar depois, se já não tivesse sido engolido pelo monstro.
Horas depois foram até a praia, pedaços de sua lancha foram trazidas pelo mar, mas nada de seus restos mortais.
Dias depois a Missa em honra a sua alma foi realizada, todos estavam de luto. Eis que surge o homem, a lenda, o herói livrando o povo de suas magoas.
Seu Álvaro em pessoa me contou o acontecido. Ele conseguiu matar o monstro o acertando pela boca quando este a abriu para mordê-lo. Tristemente, quando isso aconteceu o monstro começou a se contorcer antes da morte, a cauda da besta acabou acertando Seu Álvaro e a lancha, fazendo-o desmaiar.
Pescadores acharam seu corpo e o levaram ao hospital, onde ele ficou sendo cuidado em repouso, até que pode sair e retornar. E assim como contado, ele teve seu retorno triunfante e heroico. Até hoje essa história é cantada como modão de viola em festas da vila.
Uma história realmente louca, mas cuja veracidade, com exceção da origem do Jacaré, eu asseguro completamente aos leitores! Seu Álvaro até hoje está triste pela morte do sobrinho, mas tem a certeza de fazer os moradores lembrarem de seu sacrifício, rendendo histórias até mesmo de sua infância até o finado dia. Seu Zé por outro lado vive bem e confortável, não tem saudades daquele tempo a não ser pela tal virilidade que ele diz que tinha.
Na próxima pesquisa planejo procurar o estranho caranguejo voador da Romenia, isso os leitores realmente não podem perder!