Promyshlennik ili raznochintsy?
- Então, você quer que eu conheça um "promyshlennik"? Um desses cossacos grosseiros, vestidos de peles, e que se acostumaram a viver entre selvagens para não ter que pagar impostos?
A imperatriz pareceu divertir-se com a sugestão do conde Dobrynin Grigoriy Yurievich, um dos seus conselheiros mais próximos (e, segundo as más línguas, seu amante, embora fosse cerca de vinte e cinco anos mais jovem do que a soberana).
- Perdão, alteza, mas esse não é um "promyshlennik" qualquer - defendeu-se Yurievich. - Trata-se do homem que negociou o tratado comercial dos nativos do Alaska com a expedição Shelikhov.
Subitamente, a czarina parou de rir e encarou a sério o seu conselheiro.
- Ah, porque não me disse logo de quem se tratava... sim, eu li o relatório da expedição. Esse "promyshlennik" facilitou muito as coisas para a implantação do nosso primeiro assentamento no Alaska, embora Grigory Ivanovich tenha se queixado de que teríamos um lucro muito maior se tivesse resolvido as coisas do jeito dele.
- Sabemos como é o "jeito dele", alteza - ponderou Yurievich. - Provavelmente faria um massacre, para mostrar aos nativos quem estava no comando.
- Não podemos dizer que esse método não funcionou das vezes anteriores - observou a imperatriz. - Mas segundo Grigory Ivanovich, o "promyshlennik" aconselhou não assustar em demasia os nativos, pois a colaboração deles seria necessária na colonização dos territórios na América. É uma visão curiosa, a deste cossaco; está raciocinando quase como um político, eu diria.
- Perdão, alteza; ele não é um cossaco - corrigiu-a educadamente Yurievich. - Na verdade, fala um francês quase tão bom quanto o meu, embora cheio de termos estranhos. O homem parece ser um autodidata. Demonstrou ter conhecimentos de engenharia e até mesmo de astronomia, que diz ter aprendido em livros.
- Isso está ficando cada vez mais misterioso - redarguiu a imperatriz. - Bem, se a sua intenção era chamar a minha atenção, já conseguiu. Quando poderei conhecer esse autodidata dos sertões do Alaska?
- Hoje à noite, alteza, numa audiência reservada; o "promyshlennik" tem muito mais a dizer do que aquilo que está no relatório de Grigory Ivanovich, e creio que será melhor que não seja ouvido por ninguém que não fale francês fluente.
- Está bem - acedeu a imperatriz. - Eu, você, e duas damas de companhia russófonas. Quando quisermos discrição, passamos do russo para o francês. O seu autodidata ainda lembra como se fala russo, espero?
- Um russo cheio de termos exóticos, mas sim, ele domina perfeitamente o idioma, alteza; na verdade, revelou-me ser natural de Moscou. Pela sua educação, eu diria tratar-se do filho bastardo de algum nobre...
- Que idade tem ele? - Questionou a soberana, de forma casual.
Yurievich ergueu os sobrolhos.
- Cerca de... trinta anos, alteza.
A czarina deu uma risadinha, olhando para o rosto apreensivo do conde.
- Sossegue, Grisha - comentou ela em tom brincalhão. - Eu só estou pensando nos interesses da coroa, não nos meus em particular.
- Naturalmente, alteza - foi a resposta polida de Yurievich.
* * *
Quando o visitante foi introduzido por um criado em seus aposentos particulares no palácio Hermitage, estando ela ao lado de Yurievich, e das damas de companhia cuja proximidade as faziam atender apenas pelos apelidos de Lidka e Tonya, foi a vez da imperatriz erguer os sobrolhos.
- Alteza - saudou-a sorridente o recém-chegado, fazendo uma profunda reverência com o chapéu tricórnio na mão. Apresentava o rosto escanhoado, cabelo preso por uma fita preta num rabo de cavalo e roupas ocidentais, provavelmente de corte inglês. - É uma profunda honra conhecer a imperatriz de todos os russos!
- Mas onde está o "promyshlennik" que me prometeu? - Questionou a czarina, virando-se para o conde.
- Está diante dele, alteza - redarguiu placidamente Yurievich.
- Este "raznochintsy"? - Insistiu ela, incrédula.
- Ippolit Tikhonovich Kolosov, seu órfão, alteza - disse o visitante, sem deixar de sorrir.
- [27-12-2023]