Entrega ao portador
Duas batidas na porta do quarto. Charles Delaney abriu e viu-se diante de um homem corado, imponentes suíças brancas, vestido com um uniforme azul-marinho da marinha mercante inglesa. O seu contato, avaliou, não quisera deixar nenhuma dúvida sobre quem era e o que estava fazendo ali, antes mesmo de pronunciar uma só palavra.
- Capitão Haddock, eu presumo - disse Delaney estendendo a mão, que foi prontamente apertada de modo firme, mas breve, pelo recém-chegado.
- Ao seu dispor - redarguiu o oficial.
- Queira entrar, por favor - Delaney afastou-se, para que o visitante passasse, e depois de olhar para os dois lados do corredor do apart-hotel, fechou a porta.
- Percebeu se alguém o seguiu no caminho para cá? - Indagou para o lobo do mar, após indicar-lhe uma cadeira de braços onde se sentar e tomar assento em outra, bem em frente.
- Não, - replicou o capitão - mas com o trânsito caótico de Nova Iorque, não creio que teria percebido se isso houvesse acontecido. De qualquer forma, o trajeto das docas até aqui foi bastante curto, e o motorista parecia ser experiente e não teve dificuldades com o tráfego.
- Ótimo! - Aprovou Delaney. - E a viagem pelo Atlântico, algo notável a relatar?
Haddock ergueu os sobrolhos brancos, como se estivesse surpreso com o rumo da conversa.
- Vimos alguns icebergs à altura da Terra Nova, mas conseguimos manobrar em segurança sem reduzir a velocidade, se é isso o que quer saber.
- Naturalmente, capitão; segurança em primeiro lugar - ponderou Delaney, entrelaçando os dedos. - Mas eu não me referia ao seu belo navio novo, mas à, bem... encomenda.
- Ah, sim - suspirou Haddock, batendo no casaco naval que usava, à altura do coração. - Está bem aqui, junto com o documento de transferência que o senhor deverá assinar, após a conferência.
Delaney abriu um sorriso de júbilo.
- Por favor... mostre!
Haddock puxou de um bolso interno do casaco um envelope selado com um lacre vermelho, e um estojo comprido, embrulhado em oleado preto e também ostentando o mesmo lacre vermelho. Estendeu ambos os objetos para Delaney, com a seguinte observação:
- Verifique os lacres primeiro, por favor.
Delaney fez como lhe havia sido recomendado, constatando que o mesmo sinete havia sido aplicado em ambos os lacres. Divertiu-se com o pensamento de que bem poderia estar num romance de aventuras do século XVIII, mas aquilo era bem mais complexo do que um empréstimo de joias reais para a cortesã errada. Potencialmente, o futuro dos Estados Unidos da América poderia estar em jogo ali, a depender do conteúdo do embrulho.
- Os lacres estão intactos - comunicou ao portador.
- Então, agora pode abrir a carta - prosseguiu o capitão. - Nela, estão os termos e as condições para o uso do material que ora lhe está sendo confiado.
Foi a vez de Delaney erguer os sobrolhos, pois parecia que estava recebendo algo emprestado. Mas definitivamente não se tratava de empréstimo, pagara cerca de meio milhão de dólares por aquela encomenda. Mas não fez nenhuma observação, quebrou o lacre do envelope e começou a ler a única folha em papel timbrado que o mesmo continha. Finalmente, ergueu os olhos para Haddock, que aguardava pacientemente com as mãos cruzadas sobre o ventre.
- O combinado não era enviarem as instruções de operação junto com a encomenda? - Questionou. - Não me parece que caberiam neste pacote.
- Lhe foram enviadas instruções objetivas sobre o que pode fazer com o conjunto posto à sua disposição - redarguiu tranquilamente Haddock. - Mas não esperava que por apenas 500 mil dólares, fosse receber um curso completo de operações, não é mesmo?
Delaney engoliu em seco. Começou a sentir que poderia estar sendo passado para trás e que não teria a quem recorrer para desfazer o negócio. Mas Haddock não dava nenhum sinal de que estava ali para passar-lhe a perna; afinal, aguardava que ele assinasse o documento para sacramentar a transação.
- Eu... vou conferir o material - disse por fim, quebrando o lacre do oleado e após abrir um estojo de madeira, ver-se diante de cinco diamantes de vinte quilates, lapidados em dodecaedros. Quatro eram transparentes, e um era de um belo verde esmaecido.
Delaney puxou uma lupa de joalheiro do bolso do paletó e começou a examinar os diamantes um a um, emitindo ruídos de satisfação de quando em quando. Finalmente, guardou as pedras preciosas de volta no estojo e dirigiu a palavra a Haddock, que observara atentamente a movimentação, mas sem qualquer manifestação de interesse em particular.
- Os diamantes são perfeitos... quanto ao seu uso prático, terei que atestar posteriormente.
- A minha missão era somente lhe entregar a encomenda e colher a sua assinatura, senhor Delaney - disse o capitão. - Como irá proceder daqui em diante, suas dúvidas sobre procedimentos operacionais e correlatos, deverão ser discutidos com o seu contato em Londres.
Delaney pareceu ficar um tanto decepcionado com o comentário, mas sabia que Haddock era somente um portador e nem mesmo alguém próximo aos patamares mais altos da organização. Mas, era um homem de confiança, e portanto fora escolhido para a tarefa, a qual acabara de ser concluída. Puxou uma caneta-tinteiro de um bolso do paletó, e apoiando o documento de transferência sobre uma mesinha próxima, assinou no local indicado.
- Pronto, capitão. Aqui está o seu comprovante - declarou, estendendo o papel para o lobo do mar que já havia se posto de pé.
- Grato - foi a resposta lacônica. Ato contínuo, Haddock dobrou cuidadosamente a folha e a colocou num bolso interno do casaco.
- Eu o acompanho - disse Delaney.
Ao abrir a porta para que o visitante saísse, ainda lembrou-se de fazer uma última pergunta:
- E quando volta para a Europa?
Haddock mostrou-se subitamente satisfeito, pela primeira vez:
- O "Titanic" parte no sábado, 20 de abril, ao meio-dia.
- [24-12-2023]