VIDA LOUCA 2

Vida Louca 2

Em 1996 Kroomt viajou para casa no final do ano e encontrou Lanceiro com uma cicatriz enorme na barriga e a boca muito inchada devido a três dentes da frente que estavam inflamados, ele pagou o tratamento odontológico do irmão e seguiu viagem para o nordeste do país. O seu irmão mais velho exigiu um bônus por ter permanecido cuidando da família nesses anos de ausência, pediu dinheiro para comprar uma moto e Kroomt colocou em suas mãos o valor de uma moto Honda modelo “strada 200 cc” seminova (2 mil reais).

Em 1997 o irmão mais velho desfilando com sua moto possante foi abalroado por uma camionete cujo acidente arrancou a falange distal do dedo indicador e fraturou o fêmur da perna direita. Nesse dia Kroomt estava pronto para comprar o carro de seus sonhos, um jipe modelo Willis, com estampa militar e pneus largos (3.500 reais), porém desfez o negócio para socorrer o irmão com o valor da cirurgia. Kroomt viajou de ônibus da Paraíba para visitar sua família no oeste do país, acompanhado de sua mãe ele foi visitar o Lanceiro que cumpria a terceira pena no presidio da Mata-grande, ele agarrou as mãos do irmão através das barras de ferro da grade e ambos ficaram de olhos marejados, o semblante do caçula parecia um passarinho engaiolado sem poder voar. O diretor do presidio não autorizou o encontro deles em um local separado, pois os guardas alertaram para uma possível manifestação dos demais presos que rejeitam a presença de policiais e militares no pátio interior.

Naqueles dias de férias Kroomt tentava fazer dobrar a perna rígida do irmão que usava uma barra de ferro no corpo para recuperar o fêmur fraturado, ao mesmo tempo descobriu que a cirurgia foi realizada pelo SUS e com o dinheiro ele comprou eletrodomésticos pensando em se casar naquele ano. O Lanceiro engravidou uma jovem que morava na parte de cima da praça e passou a fazer pequenos furtos pressionado pela mulher que era irmã de dois malfeitores do lugar, a polícia vivia no encalço dele esperando a oportunidade de dar o bote certo. Os amigos estavam em uma feira fazendo compras quando um policial civil o acusou injustamente de roubar uma garrafa de bebida, preso em flagrante ele foi levado para a “Mata-grande” novamente.

Em 1998 durante uma visita intima ele engravidou novamente a namorada, em 1999 Lanceiro estava em liberdade dando duro para sustentar o filho recém-nascido, a enteada que adotou e a namorada nos últimos meses de gravidez. Ele topava qualquer parada que lhe rendesse algum dinheiro, abatia animais de corte para o açougue, serviços na lavoura entre outros. Certo dia ele foi cooptado para trabalhar na região de Paranatinga-MT em uma fazenda retirada da rodovia e ouviu do capataz:

- Se trabalhar come, se tentar fugir morre.

Lanceiro permaneceu calmo e traçou seu plano daquele trabalho escravo vigiado por jagunços armados até os dentes. Trabalhava todos os dias sem demonstração cansaço ou insatisfação, até que no sétimo dia caiu uma forte chuva no final da tarde e Lanceiro sorrateiramente abandonou a base do acampamento deixando os demais peões para a própria sorte. No cair da tarde ele cortou a selva no peito em boa velocidade, pois sabia que os jagunços viriam em seu encalço com carros, motos e cães farejadores. A chuva ficou mais densa a noite prejudicando o rastreamento de suas pegadas na mata onde ele esgueirava como uma sombra nos caminhos mais difíceis. Evitando estradas e trilhas sem deixar pistas o garoto ganhou dianteira viajando para o sul até alcançar uma estrada da qual ele viajou a cavaleiro durante o dia e a noite pernoitava na copa de arvores altas. Se lavou no riacho, esperou a roupa secar para continuar caminhando pela estrada que já parecia segura, mas sem pedir carona e nem se deixar ser avistado por veículo algum que poderia ser o carro de captura. No dia seguinte ele percorreu cerca de quarenta quilômetros e encontrou uma família saindo com uma camioneta na porteira de suas terras, ele explicou a situação e foi ajudado por aqueles desconhecidos filhos de Deus. Lanceiro escapou do cativeiro e passou a trabalhar nas fazendas próximas da cidade para obter recursos financeiros para cuidar de sua família, mas logo os amigos do alheio se juntaram a ele para convidá-lo a cometer o errado novamente. Certa noite Kroomt sonhou com a morte dele por tiro de revólver as vinte e uma horas, o irmão despertou assustado e por telefone alertou o caçula para arrumar as malas para sair daquele antro de marginais, porém no dia dezessete de dezembro Lanceiro disse:

- Irmão! Depois do Natal eu vou para ficar perto de você.

Naquela noite, no horário predito por seu irmão, Lanceiro foi alvejado durante uma cobrança de dívida de drogas e correu baleado por um quarteirão antes de sucumbir. O socorro chegou rápido no local e ainda o conduziu para a Santa Casa de Misericórdia, apesar do esforço dos médicos ele não sobreviveu. A velha mãe estava varrendo o quintal com sua vassoura de galhos quando o irmão do meio entrou calado para abraçá-la, porém o instinto maternal entrou em alerta e ela começou a gritar pelo filho que perdeu. A família telefonou para o quartel onde Kroomt trabalhava e explicou para o atendente o acontecido, mas ele não fez a mensagem chegar ao destinatário achando que que era um trote. Na manhã seguinte os irmãos conseguiram falar com Kroomt que novamente não conseguiria chegar a tempo para o velório devido à distância, então ele falou com a mãe para consolar os ânimos e enviou dinheiro para o funeral. Lanceiro se juntou aos ancestrais no jazigo da família no mesmo ano em que seu filho nasceu e não possui seu sobrenome até o presente momento.

(Trecho do livro – “Pergaminhos de Kroomt” – Gerson Zequim)