OS SONHOS DE ALEXANDRE

ADENDO AO CONTO - Alexandre Magno, rei da Macedônia, foi um militar sem igual na história das batalhas, porém morreu da forma mais prosaica possível: de indigestão, de mal-estar súbito após banquete, isto se não foi envenenado, pois acabara de demitir do comando de um de seus batalhões um primo, que deixara os soldados rebelarem-se. Além de guerreiros, munições e alimentos, Alexandre trazia também 2 ou 3 adivinhos, "feiticeiros" que consultava antes de qualquer batalha. Nunca erraram em suas previsões, já que ele se tornou invencível, mesmo sendo derrotado em uma ou outra refrega. Este conto é homenagem ao maior dos generais que a Humanidade viu nascer !

OS SONHOS DE ALEXANDRE

Pela primeira vez -- em seus 10 ou 15 anos guerreando -- uma cidade resistiu tanto aos seus exércitos, pareciam adivinhar seus passos, prever cada ataque de suas tropas. O cerco já durava 3 meses, em breve chegaria o inverno e tudo ficaria mais difícil. As provisões escasseavam, a caça sumira das matas próximas ao conflito, os combatentes inertes se tornavam meros bêbados inconsequentes. Nas duas noites anteriores um pesadelo o incomodara: uma pomba negra saía de seu acampamento rumo à cidadela dos inimigos, voltando de lá como imensa águia com os pés e o bico tingidos de sangue. Vinha pousar diante da barraca de comando, agora como urubu agourento.

Chamou seus adivinhos, que queimaram ervas, cachimbaram e tiveram igual conclusão: pombas levam e trazem mensagens e, negras, sugerem morte, fracasso, azar. Ao virar águia ela representa força. poder e o urubu confirma que a Morte ronda o acampamento. Alguém está levando mensagens daqui para o inimigo, de noite, em pessoa ou por uma pomba.

Dispensados os feiticeiros, Magno chamou o chefe da guarda:

-- "Aquilino, preciso de alguém de confiança ao meu lado" !

-- "General, dou a minha vida para protegê-lo" !

-- "Ótimo, era o que eu queria ouvir... tem alguém nos traindo. Descubra quem é e me traga aqui, só após o final dos conselhos de guerra, sem que ninguém os veja, entendeu" ?!

-- "Traição em nosso exército ?! Isso é impossível" !

-- "Não, não é... descubra quem cria pombas, pombas pretas eu suponho e terás o nosso homem. Tens entrada livre aqui, a qualquer hora. Não perca tempo, isso é urgente" !

Com perto de 30 mil homens acampados, em poucas horas o chefe da guarda real localizou um soldado antigo, de muito conceito e que criava pombas, pretas, pintadas algumas delas. Na ponta da espada, de madrugada, apresentou-o a Alexandre, o Grande.

-- "Então você cria pombas... porque as pinta" ?!

-- "Os camponeses, famintos, as abatiam a tiros, me vi obrigado a disfarçá-las e soltá-las só de noite" !

-- "Para ONDE vão seus pombos ?! Podes me dizer" ?

O velho militar levou um susto tremendo, a pergunta era direta demais. Hesitou.

-- "Voam por aí, se exercitam algum tempo e voltam" !

O rei apontou um saquinho de moedas e a espada do chefe da guarda, única testemunha da conversa:

-- 'Vais sair com vida dessa estória sórdida e até com algum dinhiero, mas não ficas mais no meu Exército, não há lugar para traidores nele. Perdi milhares de soldados por causa das informações repassadas por teus pombos e as almas deles clamam vingança. O remorso por tais mortes será teu fardo. Sei que nada sabes sobre meus planos de batalha... diga-me quem é o tal informante, espero que não mintas" !

-- "NÃO MENTIREI, mas o senhor me matará assim mesmo... é o seu melhor amigo, o general Mássimo Quinto" !

-- "Miserável, maldito desgraçado, como ousa dizer uma calúnia dessas ?! E porque ele faria isso" ?!

-- "Estou há DEZ ANOS lutando ao vosso lado, outros têm mais, uns 12, 13 anos... estamos cansados, todos querem VOLTAR para suas casas e o senhor só pensa em conquistas" !

O general só não berrou para não acordar o acampamento inteiro:

-- "Suma já da minha frente... (e lhe jogou o saco de moedas) se estiver por aqui amanhã será fuzilado ! Aquilino, sabes o que fazer: traga-o aqui sem nenhum alarde" !

Aquilino rendeu o general Quinto ainda no catre rústico, com punhal na garganta; o amordaçou, amarrou e cobriu com longa capa. O sol surgia no horizonte... entrou gélido no Quartel General, sabia que era seu fim, Alexandre descobrira tudo. Sem a capa na cabeça, vislumbrou a gaiola com os pombos... estava perdido !

-- "Me diga ao menos o porquê dessa insanidade..."

-- "Eu era o MAIOR dos seus oficiais, o ÚNICO general, até você encher o acampamento deles. Me tornei mero "joão-ninguém" !

-- "E o que pretendias com nossa derrota" ?!

-- "IR PRA CASA... finalmente, ir para casa" !

-- "LOUCO, nada aprendeste comigo ! Derrotados são mortos ou, pior, viram ESCRAVOS... jamais veriam a França de novo. Faça um favor a mim, MATE-SE, não quero te punir em praça pública" !

-- "Esse gostinho não vais ter, talvez meu sacrifício desperte A REBELIÃO que não surgiu até agora entre nós" !

Dizem que homem não chora mas o grande Alexandre choraria 3 vezes naquele início de dia. A corneta soou às 6 da manhã, toque de combate, todos paramentados, ainda meio zonzos, mal dormidos. Magno passou em revista as tropas e, em seguida, fez seu discurso montado em Bucéfalo, seu magnífico alazão negro. Trazia pelas rédeas um pangaré, com um sujeito todo enrolado em manta e com capuz na cabeça.

-- "Temos um traidor entre nós, ele será enforcado para pagar por seus crimes. Em 3 dias atacaremos a cidade, para vencer ou morrer lutando. Quem quiser IR EMBORA antes, poderá fazê-lo, irá receber seu soldo com sobras. Que fiquem só OS VALENTES" !

Quase metade dos pelotões, destacamentos, companhias, batalhões decidiu abandonar a campanha, alguns chorando de emoção... a maioria não conseguiu retornar a França pois, voltando desarmados, eram agredidos ou dizimados pelos povos remanescentes de cidades destruídas por Alexandre tempos antes. Este possuía um estrategista genial que criava soluções para tudo... camuflou arqueiros com "roupa de mato" e, de noite, estes liquidavam os sentinelas sobre os muros da cidade. Isto facilitou a chegada da "escada rolante" horizontal sobre o imenso fosso. Pelos "pombos" souberam que Alexandre pretendia preencher o fosso raso, anterior, com troncos e terra, para trafegar sobre eles até o portão principal. Triplicariam a profundidade dele !

A escada rolante transportou vários soldados com machados e que fizeram buracos no portão, permitindo a passagem dos que desceriam a ponte levadiça. Ao meio-dia a cidade foi tomada ! Sabendo-o católico, nobres e padres, toda a gente importante do lugar se escondeu na igreja, barricando-a por dentro. Acreditavam que o cristão Alexandre respeitaria o prédio sacro... Magno tocou fogo no templo e quem tentou sair foi assassinado. Assim, 4 meses depois, findara mais uma conquista do General invencível, que ousou guerrear até... NA ÍNDIA !

"NATO" AZEVEDO (em 8/nov. 2023, 18hs)

OBS: baseado livremente na obra de Mássimo Manfredi sobre este gênio militar.