O Pneu desgovernado

Numa ensolarada manhã de domingo, eu e meus oito irmãos éramos a encarnação da audácia rural. No vasto interior, nossa infância era um conto épico repleto de travessuras que desafiavam todas as expectativas dos nossos pais. Montávamos em burros brabos que jamais haviam sido montados, apostando nosso tempo de permanência no lombo deles, descíamos em desfiladeiros sobre troncos de árvores a uma velocidade vertiginosa, dávamos pulos mortais de cima das árvores mergulhando nos rios e balançávamos-nos nos cipós de grandes árvores, imitando Tarzan. Mas um dia, uma ideia mais insana floresceu em nossas mentes inquietas.

Foi assim que começou a nossa maior e mais hilária aventura rural. Pegamos um velho pneu de trator abandonado, um monstro de borracha grande o suficiente para abrigar qualquer um de nós "de conchinha" na sua parte central e fazer rolar ladeira abaixo. Inicialmente, as descidas eram suaves, quase entediantes. Porém, à medida que subíamos o desfiladeiro acima do engenho, a distância percorrida aumentava a cada tentativa.

Após dezenas de iniciativas, decidimos ir além do aceiro do roçado, colocando nosso irmão mais velho dentro do pneu. Com todos alinhados, empurramos aquele gigante com toda a força que tínhamos. O pneumático humano começou sua descida alucinante, e no início, rimos das cambalhotas que a dupla fazia. No entanto, a diversão virou pânico quando o pneu desviou de nosso plano e seguiu em direção a outro desfiladeiro, ainda mais assustador.

A velocidade aumentava rapidamente, e nossas gargalhadas deram lugar a preces desesperadas. Lá, no horizonte empoeirado, avistamos um caminhão pau de arara vindo na estrada, exatamente na rota do pneu desgovernado. Nossas rezas se intensificaram, e testemunhamos um milagre em câmera lenta. Num lampejo, o motorista do caminhão pisou no freio, levantando nuvens de poeira, enquanto o pneu, com nosso irmão intrépido, passou cruzando a estrada, miraculosamente ileso.

Mas a dupla continuou sua jornada inesperada, rodando e subindo pelos cafezais, chocando-se com árvores de ingazeira e camunzés. Finalmente, colidiu com uma árvore majestosa, encerrando sua louca jornada. Corremos até o local, corações aos pulos, e encontramos nosso irmão inteiramente grogue, como um boneco de pano, incapaz de manter-se de pé, bêbado pelas voltas que dera em torno de si. Após o susto e um retorno à normalidade, voltamos para casa com uma história que nossos pais jamais deveriam ouvir. Afinal, quem em sã consciência contaria essas desventuras?

E assim, aquela aventura desastrada tornou-se uma das lendas mais hilárias e memoráveis de nossa infância no interior, uma história que, até hoje, recontamos com risadas e gratidão por nosso irmão ter sobrevivido a nossas loucuras e a incrível jornada do pneu desgovernado.

José Freire Pontes
Enviado por José Freire Pontes em 30/09/2023
Reeditado em 30/09/2023
Código do texto: T7898041
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