O Artista do Amor - reeditado

O leitor acaso gostaria de ler uma história interessante a cerca de um personagem pitoresco nunca antes mencionado na literatura romântica nem exaltado no cinema, tampouco paparicado pela televisão? Se deseja inteirar-se dos fatos terá que participar do conto e interagir comigo para que possamos, juntos, extrair o máximo do que a narrativa tem para oferecer. Imagine-se então numa cidadezinha do interior.

Já visitou uma pacata e pequena cidade, com tão poucos habitantes que é possível saber o nome de todos e conhecer da vida de cada um e até da intimidade das famílias mais discretas? Acaso mora numa cidade assim? Se mora, é para você mesmo que quero narrar essa história; quanto aos outros, fiquem então só prestando atenção. Mas não larguem o livro! Se estiverem na frente do computador, não tirem da telinha os olhos se não quiserem perder os melhores lances. Prestem atenção.

Vejam só como são as coisas. Comecei falando com um leitor, ou leitora e já me vejo agora me dirigindo a uma legião deles; mas não tem problema. Como não podemos ver-nos cara a cara vou me sentir a vontade para descrever o fato tal como me der vontade. Mas não vou mentir; podem ficar tranquilos quanto a isto. Esse personagem a quem me refiro ainda não é bem conhecido na cidade, por isso conseguiu aprontar de um jeito que deixou a todos, as mulheres principalmente, bestificados.

Falar que é bonito é minimizar seus atributos físicos. O homem era a personificação da beleza. Quando desceu do ônibus na estaçãozinha e se dirigiu para a lanchonete não conseguiu evitar os olhares hipnotizados e o fuxico das damas que ali se encontravam; sua beleza chamou logo a atenção. E ele sabia que seria assim; já estava acostumado. Mas como eram bonitas também as mulheres daquela cidade! Seus vestidos coloridos, elegantes chapéus, as mãos enluvadas e a pele rosada da saúde privilegiada das cidades campestres.

Os leitores que moram em cidades assim certamente já devem estar imaginando o que esse sujeito quererá aprontar, será que não? Não vou me adiantar tanto por hora, vou deixar a curiosidade fustigá-los; e que trabalhem a imaginação. Um homem deveras bonito, elegante em todos os sentidos, uma estampa de cavalheiro formoso, cheio de magnetismo e de um olhar penetrante que faz a cabeça feminina pensar bobagens indecifráveis. O fato de ser a cidade pequena e atinada torna difíceis ou quase impossíveis as investidas de um conquistador.

Por ser começo de tarde e pleno dia útil ele calculou acertadamente serem as madames casadas, a passeio pelas lojinhas do lugarejo enquanto seus homens dão as ordens do dia nas muitas usinas que os têm enriquecido para poderem dar a elas aquela vida mansa e cheirosa. Nossa! O garboso mocetão sentiu-se vidrado na postura fina e no charme daquelas senhoras. E, como que para corresponder àqueles sorrisos calorosos e por não ser ele possuidor de menos audácia do que de beleza, aproximou-se de um grupo de duas que, sentadas em volta de uma mesinha redonda, bebericavam o seu chá da tarde.

Cara leitora; pense comigo. O que um jovem bonitão poderia estar fazendo nesta cidadezinha repleta de mulheres bonitas e que passam as tardes desacompanhadas, procurando o que fazer além de tomar chá e gastarem o verbo entre si? Acaso não quereriam elas algo mais do que suas vidinhas rotineiras lhes pode proporcionar? E o sexto sentido do rapagão levou-o ao local ideal as suas aventuras.

Ao sair de sua cidade movimentada para curtir suas férias quis descobrir, dentro do variado leque de opções que a agência de turismo lhe oferecera, um rincão especial, que cheirasse a conquistas e que lhe pudesse oferecer as delícias do amor e do prazer. O vendedor, no auge da mocidade, também, captando as intenções do outro, lhe fez algumas ofertas tentadoras, dentre elas este maravilhoso local; porque ele, o vendedor, já a visitara antes e de lá voltara embevecido. Então, não pensou duas vezes o nosso personagem. E aqui agora está ele, para ver na prática se valeu seu tempo e seu investimento.

Enquanto ele terminava seu cafezinho recostado ao balcão e traçava uma maneira elegante de se aproximar elas riam como bobas e trocavam entre si frases curtas que deviam estar cheias de malícia e segundas intenções. Não tiravam dele os olhares. A mais moreninha, de vestido azul e luvas brancas era uma perdição em forma de mulher. Linda, cabelos soltos sobre os ombros e um olhar sedutor capaz de desequilibrar um homem sério. Os lábios eram carnudos e ao sorrir deixava a mostra uma dentição perfeita; cada movimento seu exalava sedução e magnetismo. A outra era loura, alta, os cabelos enlaçados à nuca; mostrava um ar intelectual e aí estava toda a magia da sua sedução. Usava óculos; o rosto extremamente bonito. Tinha um vestidinho branco, abotoado no peito e deixava a mostra as belas costas e as alças do sutiã transparente.

Pensando bem, ao que demonstra a cena, a recíproca é evidente quanto à simpatia e o esforço para que se façam apresentados e conhecidos quase desnecessário. Sendo assim, ele deixou o balcão e aproximou-se.

- Será que estaria sendo por demais audacioso em chegar a duas madames tão alegres e sorridentes com o intuito de lhes pedir uma informação?

- O cavalheiro é bem vindo – disse a loura – em que poderíamos ser úteis?

Sentindo-se bem à vontade, como é próprio do conquistador que pressente sucesso em sua paqueração ele já puxou uma cadeira e se acomodou à frente das duas. – Não vim para exercer minha arte. Mas antes para aproveitar a paz e o sossego desta incrível cidade. Não sei, entretanto se conseguirei, durante quinze longos dias, afastar-me daquilo a que mais amo me dedicar; e este lugar é tão propício à minha especialidade!

Ao ouvirem falar em arte e na frente de uma beleza escultural como era a dele, elas, se animadas já estavam com a sua aproximação, mais empolgadas ainda ficaram.

- O senhor então é artista? O que faz; que tipo de arte é sua especialidade? – perguntou-lhe a morena, abrindo o seu cativante sorriso.

- Em primeiro lugar, para que o “senhor”? Reconheço sua educação esmerada, mas não vou me sentir muito à vontade.

- Está bem; o que faz; o que você faz? Conte-nos logo – disse a loura, impaciente.

- Sou ator, ator de teatro. Contracenar é minha arte adorada. Represento a vida, a paixão, o amor. Ah! O amor; não há sentimento mais sublime do que o amor.

- Isto é demais! Um ator; aqui na nossa cidade, tão esquecida. – A morena arrebentou numa exclamação de entusiasmo incontido.

- Representar é o meu sonho; sempre fora o meu sonho – disse a loura. Por que deixei o tempo passar? Oh! Como estou arrependida. Cenas de amor; cenas de beijo; declarações amorosas. Como tenho inveja de quem sobe a um palco para representar e deixa de ser ele próprio para ser o rico, o pobretão, a rainha ou a prostituta! Que pena! Já passo dos trinta; perdi minha chance de ser alguém.

- Não diga uma coisa dessas! – disse ele - Não há tempo definido para gozar as delícias da arte. Você pode aprender a qualquer momento; pode, a qualquer momento, usufruir os encantos do amor contidos na representação artística. Vocês são lindas! Não foram poucas as mulheres que transformei em musas da representação. Até hoje me agradecem o empenho em ensiná-las. Posso citar duas ou três, ou mais, se quiserem, que hoje vivem da fama, mas que iniciaram comigo os seus primeiros passos.

- O que precisamos para sermos suas alunas? – perguntou a morena.

O jovem, sentindo que armara perfeitamente sua teia e que não tardaria a tê-las em suas mãos, concluiu assim suas ideias:

- Como afirmei no início da minha apresentação, não consigo ficar por muitas horas afastado daquilo que mais amo que é exercer a minha arte. Podemos combinar agora mesmo uma reunião em que trataríamos das nossas primeiras aulas. Levá-las-ei ao mundo encantado do amor fictício, de como cair aos pés do ser amado e dedicar a ele todo o encanto da feminilidade. Farei das duas modelos ideias da arte dramática; aprenderão comigo todos os segredos da representação. Hoje me instalo na cidade. Amanhã ver-nos-emos aqui neste mesmo local e nesta mesma hora e sairemos para iniciar nossas primeiras sessões de trabalho.

Tendo assim deixado tudo arranjado, encontraram-se no dia seguinte para porem em prática as suas intenções. Convém ressaltar que, se os objetivos do nosso personagem não nos são desconhecidos, os das duas beldades ficam totalmente por conta da interpretação dos meus leitores. O que pensam vocês? Duas mulheres casadas, de natureza reservada, ao que indicam os costumes do local em que vivem, seriam tão inocentes ao ponto de partirem com um jovem, até bem pouco estranho, para uma sessão de intimidade, pelo que ficou claro nas insinuações? Seriam elas tão inocentes assim ou querem realmente uma aventura? Tudo fora muito bem arranjado. Era o princípio da tarde onde, por certo, a preocupação com os maridos podia ser descartada. Além dos atributos físicos a seu favor, a habilidade no falar e a mentira muito bem arquitetada do belo jovem contribuíram para o convencimento.

- Por que iríamos para o meu hotel onde as condições não se apropriam a um verdadeiro ensaio? Suas casas são, por certo, confortáveis e oferecem o que precisamos para as cenas que nos esperam. Um cortinado para fazer de cenário, um licor ou um champanhe para adocicarmos os lábios e nos desavergonharmos perante as cenas, tornando-as mais realistas possíveis; e outros aparatos como cadeiras, roupas variadas e perfumes para banhos, caso a trama os venha exigir.

- Será que as horas que nos restam serão suficientes para que trabalhemos com calma e aprendamos bastante? – perguntou a morena.

– Terá tempo de visitar-nos as duas?

- Não se apoquente com isto – disse o mancebo – reunamo-nos numa só de suas casas; aproveitaremos assim todos os momentos com muito maior intensidade.

E assim fizeram. Os leitores que conhecem os segredos do amor a três e mesmo aqueles que não o conhecem em prática, mas já ouviram dele falar, terão uma ideia perfeita do que se passou na casa da linda e sedutora morena, muito mais espaçosa e aconchegante. As horas voaram como aves migrantes, o que geralmente ocorre em momentos assim. O belo homem retornou para a sua cidade, insuflado de ego por ter, sua conquista, ultrapassado muito além de suas expectativas. Que conselhos e indicações magníficas lhe dera o moço da agência; e que aventura não deve ter vivenciado também! Quanto às senhoras, como se tornaram amantes profícuas de seus respectivos maridos! Convencendo-os de que a arte do palco, que muito vinham de assistir ultimamente, as estava tornando melhores e mais dedicadas ao amor da vida real.

Professor Edgard Santos
Enviado por Professor Edgard Santos em 25/09/2023
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