MOCHILEIRO EM MACHU PICHU

MOCHILEIROS EM MACHU PICCHU

(Dux Pellegrino/Gerson Zequim 2008)

Os amigos de infância se reuniam todas as noites para brincar, conversar e traçar planos de aventurar por regiões que gostariam de conhecer, como o rio Amazonas, foz do Iguaçu, a nascente do rio São Francisco, nadar no encontro das águas em Manaus, conhecer as ruínas de Machu Picchu e outros tesouros disponíveis aos homens livres de pensamento. A vontade esbarrava na dura realidade, nem sempre dispuseram de recursos para tais façanhas. Sempre procurando explorar eventos naturais como Bonito-MS, Chapada dos Guimarães-MT, o lajedo do Pai Mateus em Cabaceiras-PB, a rampa do PEPÊ em Taquaritinga-PE, o morro do careca e o super cajueiro em Natal-RN, entre outras que nem sempre atraem a atenção da maioria das pessoas que não valorizam o turismo de sua região e preferem ir para a Europa, América do norte etc., sem a iniciativa de abrir os olhos para ver a maravilha que está a sua volta: O NOSSO BRASIL.

Após percorrer diversos lugares do país Kroomt desembarcou em Rio Branco-AC no ano de 2005 planejando uma viagem a Machu Picchu, a velha cidade perdida dos incas que foi eleita uma das sete maravilhas do mundo moderno em 2007. O desacreditado plano se tornou um desafio a ser vencido. Cerca de dez amigos combinaram integrar uma expedição de mochila para o início de 2008, porém somente Kroomt apareceu no destacamento militar de Epitaciolândia-AC no dia combinado, sem hesitar ele preparou sua mochila com 14kg de material necessário para percorrer os variados terrenos até a cidade refúgio dos incas. Um sargento se voluntariou para a missão depois de perceber a ausência de hombridade dos outros nove que se omitiram. Kroomt partiu da cidade de Rio Branco no dia 19 de janeiro de 2008 rumo a fronteira onde iniciou um deslocamento de 1023 km em território peruano, e planejava retornar cruzando o lago Titicaca para o território boliviano e depois voltar ao Brasil pelo estado de Rondônia.

A Estrada do Pacífico, também conhecida como Rodovia Interoceânica “La Carretera Interoceanica”. é uma estrada binacional que liga o noroeste do Brasil ao litoral sul do Peru, através do estado brasileiro do Acre. A rodovia cobre 777 km (entre Porto Velho e Assis Brasil) e 1419 km em território peruano (de Iñapari-Matarani) . Dentro do Brasil a "Estrada do Pacífico" começa na BR-364 em Porto Velho (RO) e continua no Acre pela BR-317, que passa por Rio Branco e vai até a tríplice fronteira com o Peru e Bolívia, atravessando entre a cidade brasileira de Assis Brasil e a peruana Iñapari. No Peru, a Estrada do Pacífico se divide inicialmente em duas, uma em direção a Oeste, que no Peru segue pela rodovia PE-030, desde Nazca, passando por Cuzco, até o porto de San Juan de Marcona. A outra rota, em direção ao Sul, se subdivide em duas na região próxima ao Lago Titicaca, e segue pela PE-034 até o porto de Matarani e pela PE-036 até o porto de Ilo. A Estrada do Pacífico, ligando o Brasil ao litoral do Peru no Oceano Pacífico (trecho em Rio Branco (AC) foi o primeiro eixo multimodal Atlântico-Pacífico que favoreceu a integração sul-americana, a circulação de pessoas, o turismo e o comércio bilateral entre o Brasil e o Peru.

O plano foi baseado noutras aventuras, empregando os recursos da topografia, geografia e história, o percurso da viagem foi dividido em fases de execução, com determinados trechos a serem cumpridos em espaço de tempo pré-estabelecidos.

1. Rio Branco-AC, uma pista asfáltica de excelente qualidade que conduz a fronteira.

2. Quinari-AC,15 km, cidade produtora dos amendoins gigantes que era responsável pelo alto índice de fertilidade das mulheres locais.

3. Capixaba-AC,100 km, nessa localidade existem diversos geóglifos as margens da rodovia.

4. Xapuri-AC, 190 km, cidade natal de Chico Mendes, o líder seringueiro defensor da floresta.

5. Brasileia-AC, 240 km, uma breve despedida dos amigos depois das mochilas completas com 14 kg de bagagem.

6. Epitaciolândia-AC, 242 km, conferido o cartão de vacina no posto de saúde da aduana e o registro de saída do país na delegacia da Policia Federal antes de partir para Inapari.

7. Cobija-BO, 243 km, zona de livre comercio na fronteira Brasil-Bolívia para aquisição de equipamentos em geral (esporte, informática, vestuário etc), aqui é o último posto onde se encontra o conforto dos hotéis, restaurantes e mercados.

8. Assis Brasil-AC, 360km, Pernoite no pelotão de fronteira do exército brasileiro.

9. Inapari-PE, 5km, 1 real cambiado por 1,60 soles (casa valeria), melhor levar certa quantia da moeda local. Tomamos um táxi para Puerto Maldonado, somente deslocava com 4 passageiros a 40 soles por cabeça. É preciso preencher 4 vias de autorização para viajar na aduana peruana, o funcionário da casa de imigração era bastante arrogante e emitia os vistos quando não estava bêbado.

10. Ibéria-PE, 60km, acampamento de três mil homens da construtora encarregada do asfaltamento da rodovia do pacifico, muitos animais na pista e um Posto de gasolina.

11. San Lorenzo-PE, 70 km, (a 9 km da fronteira com a Peru-Bolívia).

12. Alerta-PE, 100 km, Posto de controle policial

13. Vila Rocio-PE, 118 km, Catadores de castanha

14. La novia-PE, 130 km,

15. Mavila-PE, 140 km, Área de trafico de drogas – perigo

16. Alegria-PE, 155 km,

17. Pampa Hermosa-PE, 160 km, Sitio arqueológico

18. Monterrey-PE, 168 km, Catadores de castanha

19. 1º de Mayo-PE 170km, catadores de castanha

20. Planchon, 172 km, vila de Las piedras

21. Sudanero, 186 km, Exploração de madeira e castanha

22. Puerto Maldonado-PE, 240 km, Travessia de Balsa a 10 soles no rio Madre de Dios um espetáculo da natureza. As 14 hs partimos de ônibus a 60 soles por cabeça, a propaganda da empresa oferecia TV/som/água e almoço a bordo, o veículo era muito antigo cujas janelas não abriam, até as de emergência são soldadas. A água oferecida era armazenada em garrafas pet de dois litros que ficava presa na porta do ônibus. O almoço foi uma porção de arroz com alho e uma coxa de frango assado numa embalagem de isopor. Um pregador itinerante proferiu uma mensagem: “sua vida é avaliada por suas obras, se você tem 30 anos e nunca fez nada, não reclame da vida e sim do dia em que saístes do ventre de sua mãe”.

23. Laberinto-PE, 259 km, 24. Alto Libertado, 25. Candelaria e 26. Santa Rita-PE,

27. Santa Rosa-PE, 280 km, ameaça de desmoronamento no início da selva alta com curvas sinuosas e águas de degelo das montanhas formam rios rápidos. No povoado de Santa Rosa, por vários quilômetros seis pessoas de uma família quéchua se espremiam em duas poltronas apertadas, duas mulheres com duas crianças no colo e mais duas acocoradas entre as poltronas, os garotos não reclamaram um vez sequer, durante todo percurso os mochileiros dividiram seu suprimento de barras de cereal com os meninos das montanhas.

28. Mazuco-PE, 310 km, boa estrutura urbana com uma feira a céu aberto no topo da montanha.

29. Puente Inãbari-PE, 327 km, um deslizamento de encosta paralisou a rodovia por volta das 22hs onde pernoitamos embarcados. Os homens se revezavam no trabalho de retirar a terra que bloqueava a estrada, mas não há equipamento para cavar para todos. Uma mini-pá mecânica chegou as 10hs da manhã, apesar da chuva intensa em pouco tempo liberou os 45 veículos que subiam a serra e outros 52 veículos que esperavam para descer. Os vários caminhões transportavam pessoas amontoadas sobre os tanques de combustíveis. As águas do rio subiram cerca de 50cm e apenas os ônibus e caminhões altos e turbinados conseguiam transpor. Se formou uma grande fila de espera de ambos os lados do rio, os que tentavam a travessia e fracassavam eram motivos de vaias. Uma senhora “colha” faturava alto vendendo a 2 soles um prato de macarrão com frango, o prato de alumínio era lavado ali mesmo nas águas rápidas e gélidas do rio.

30. Qincemil-PE, 389 km, Reza a lenda que um casal de Gringos escondeu ali uma considerável quantia de Dólares oriundos do trafico de coca.

31. Sabanciancaio-PE, 32 km, Puerte Capiri-PE, 33. Vila sem Nome-PE, 34. Collebritas-PE,

35. Yscaybamba-PE, término da selva alta, 36. Lymapunco-PE, 37. Marcapata-PE, km 452 km, Fonte de águas termais, banho quente Cidade alta e baixa.38. Hilaloc-PE, 452 km, 39. Urcos-PE, 636 km, centro comercial, 40. Cuzco-PE, 675 km, cidade histórica conhecida como “umbigo do mundo” ou “olho para o céu’, oferece uma excelente rede hoteleira a preços populares com banho quente, internet e café da manhã. É possível fazer uma programação turística nos povoados do vale sagrado do povo inca situado nos arredores de Cusco, participar de excursão durante todo o dia nos arredores da cidade com guia e refeição, desvendar mistérios escritos nas rochas e língua quéchua e no ainda retornar para pernoitar no seu quarto de hotel. O Vale sagrado (chinchero, urubamba e pisaq) toda a periferia de Cusco faz parte do vale sagrado dos Incas.

41. Ollantaytambo-PE, 740 km, caso pretenda percorrer a trilha inca pelas montanhas o aventureiro deve contratar uma agência de turismo em Cuzco, que indicará um guia local para conduzi-lo por três dias e meio pelos sítios arqueológicos do extinto império inca. Kroomt chegou no final da tarde no vilarejo onde o único caixa eletrônico estava sem dinheiro, então eles dormiram preocupados, sem dinheiro no coração do deserto peruano. Um hotel a 20 soles onde encontramos duas brasileiras de Santa Catarina que ajudavam nos trabalhos em troca da estadia, as garotas estavam sem dinheiro. Na manhã partiram de trem a 31 dólares por cabeça para uma viagem de 28 km até Águas Calientes, a linha era explorada por uma empresa canadense cujas funcionárias dominavam a língua inglesa, espanhola e o quéchua, língua nativa. Muitos aventureiros burlavam o controle de entrada tomando outros caminhos que levam a Águas Calientes, era possível chegar até bem próximo de carro e depois andar pelos trilhos da ferrovia e esperar a noite cair, pois os guardas da ponte de acesso não vigiavam a entrada a noite. Então você já amanhecia lá na entrada da cidade velha.

42. Águas Calientes-PE, 768 km, um vilarejo ao sopé da montanha onde existia a opção de locar uma van para subir a montanha a 12 dólares, ou subir pela antiga trilha que cortava a estrada que serpenteava a montanha. Os degraus eram altos e exige muita perna e joelhos bem preparados. O ingresso para a cidade custou 122 soles, no sopé da montanha haviam muitos turistas brasileiros sem dinheiro pra subir ou para retornar a Cusco. As pessoas desesperadas propunham qualquer negócio para conseguir algum dinheiro.

43. Machu Picchu 804 km, situada na Cordilheira dos Andes, a 2400 metros de altitude, no vale do rio Urubamba. Foi construída pelos incas no século XV, antes da chegada dos europeus ao continente americano. Consistia em um conjunto de construções de pedras em ruínas. São casas, templos, aquedutos, praças e degraus (terraços) onde os incas praticavam agricultura em alto grau de desenvolvimento de conhecimentos urbano, arquitetônico e tecnológico da civilização inca. Pela dificuldade de localização e acesso restrito, foi apelidada de "cidade perdida", encontrada pelo professor e antropólogo norte-americano Hiran Bingham, em 1911, cerca 90% dos turistas são pessoas idosas, alemães, japoneses e americanos, nesse dia apenas Kroomt e seu amigo eram brasileiros dentro da cidade.

Kroomt acertou ao visitar Machu Picchu aos 39 anos de idade, porque talvez aos 70 anos não houvesse a oportunidade já que uma falha geológica na estrutura da montanha se abria a 1 cm por ano, sendo assim calculo que em 20 anos ela desmoronaria. A trilha parecia interminável, faltava ar e as pernas doíam, mas nunca pensaram em desistir do desafio. Nos portões foram mais 3 soles pra guardar as mochilas, no ponto mais alto da cidade os amigos sacaram uma bandeira do Brasil, tomaram um Tereré nas alturas e graças a Deus pela vida. O acesso era limitado pela circulação dos trens, o melhor era pernoitar em Águas Calientes para aproveitar a viagem e entrar na cidade de manhã para permanecer mais tempo antes de embarcar no trem no final da tarde. Era um mundo capitalista, você valia o quanto tinha no bolso, aconselhável chegar a Cusco com o dinheiro convertido em soles. Em Ollantaytambo acontece uma exploração no preço do transporte para Cuzco, ao chegar de trem, os táxis e Vans fazem um jogo de chantagem elevando os preços, pois o pernoite em Águas Calientes era muito caro, os amigos decidiram não ceder à corrupção e esperaram a hora certa para embarcar em um ônibus de turismo e os trouxe por 10 soles até Cusco. Pernoite em Cusco com muito frio e chuva, onde o real era convertido a 1,10 soles, eles não conseguiram sacar dinheiro a noite para jantar, mas a jovem proprietária da pizzaria cedeu o alimento confiando que pagariam no dia seguinte, “Brasilenho” disse ela. Kroomt não sabia que precisava ativar o cartão visa internacional para aumentar o limite de compra. No dia seguinte resolveram tudo e colocaram o pé na estrada novamente.

Oropeza-PE, 150 km, o visual era fantástico para quem descia a montanha cortada pela rodovia que se destacava na paisagem. Uma vila satélite de Cusco que marcava a descida da montanha coberta por uma fina névoa. Quincemil-PE, 286 km, as pessoas desembarcaram no meio da noite para fugir do desmoronamento que ameaçava levar os ônibus a ribanceira. Os amigos permaneceram no assento até analisar o grau de perigo e voltaram a dormir no veículo pendurado no abismo. Duas pás mecânicas chegaram as 9hs para liberar a estrada que estava bloqueada. San Lorenzo-PE, 356 km, outro desmoronamento na rodovia de fácil liberação. Puerto Maldonado-PE, 556 km, novamente os taxistas queriam levar vantagem sobre os estrangeiros que dividiram o táxi com um garoto peruano que mora no Brasil e uma mulher que viajava de Lima para Manaus em busca de sucesso e dinheiro. Inapari, 800 km, o visto de saída na imigração peruana aconteceu bem rápido, porém tiveram que convencer o policial o garoto sair do país, pois estava sem documentos. Assis Brasil, 804 km cruzamos a fronteira de volta para casa em segurança graças á Deus. Ao cruzar a ponte da integração na fronteira nos remetemos a um país no mínimo quarenta anos atrasado no tempo. A estrada do pacifico materializava o contraste entre o antigo e o moderno, uma ousada obra implantada num ambiente complexo. A vastída selva amazônica pseudo-homogênea, apresenta paisagens particulares em vários pontos da sua extensão (MT, AP, RR, AM, AC) e na selva Peruana onde a floresta equatorial parecia estar envolvida por uma nebulosa, uma carga sombria, o tempo parecia ter parado nas choupanas que resistiam as intempéries. Um lugar esquecido pelo poder público, dominado pelos madeireiros e traficantes de drogas onde as pessoas não conheciam o conforto da modernidade, o emprego da eletricidade, o transporte condizente e sistema de saúde eficiente para enfrentar as agruras da selva. A carreteira do pacifico será principal veia de entrada de produtos importados vindos do oriente e fazer escoar a produção agropecuária e extrativista da Amazônia ocidental.