Cheira a espírito adolescente

Caminhávamos eu e Nestor pelos campos da Trácia, em busca de pistas sobre o desaparecimento do professor Cunningham, quando ouvimos algo que nos pareceu familiar. Olhei para Nestor e ele retribuiu o olhar, testa enrugada:

- Ou eu estou ficando louco ou alguém está tocando "Smells Like Teen Spirit" na flauta...

- Tecnicamente, não numa flauta, mas num diaulo, um aulo duplo - corrigi-o. - Mas, sim, alguém trouxe Nirvana para a Grécia Clássica.

- Como Prometeu trouxe o fogo para os homens... - comentou Nestor, abanando a cabeça em desagrado.

- Vamos pular a parte de Prometeus, porque sabemos como a história termina - atalhei.

A origem do som anacrônico logo nos foi revelada: um pastor ruivo de cabras, sentado numa pedra sob uma árvore, marcando o ritmo com o pé enquanto vigiava seu rebanho que pastava nas vizinhanças, balindo eventualmente como que para dar apoio moral à performance do rapaz.

- Olá! - saudei-o sorridente em grego, erguendo o braço direito em saudação.

O jovem parou de tocar e nos encarou com suspeição.

- Não queríamos interromper, - apressei-me em dizer - só viemos ouvir mais de perto. É uma música muito bonita!

- Diferente! - Acrescentou Nestor, muito compenetrado.

A falta inicial de reação me fez pensar que talvez o rapaz não falasse grego. Afinal, estávamos na Trácia. Mas, felizmente, as feições dele se distenderam e finalmente indagou - em grego:

- Quem são vocês, forasteiros?

- Eu sou Erasmios - apresentei-me. - E este é meu discípulo, Nestor. Somos de Anfípolis e estamos indo em peregrinação para o templo de Seutópolis.

Para um trácio, aquela explicação simplista era tão mais fácil de aceitar posto que eu era velho e Nestor, jovem. Dependendo das circunstâncias do encontro com a nossa dupla, poderiam até dizer que haviam encontrado os misteriosos deuses cabiros Axiocerso e Cadmilo.

- É uma longa jornada - filosofou o pastor. E tocando o peito:

- Sou Timotheos, filho de Battos. Mas então, gostaram da música?

- É extremamente original, Timotheos, filho de Battos - assegurou Nestor.

- Originalíssima - complementei. - Você a compôs?

- Não, na verdade - admitiu Timotheos. - Um outro peregrino, que passou algum tempo aqui na região, ma ensinou.

Eu e Nestor nos entreolhamos.

- Como ele se chamava? - Indagou Nestor.

- Philippos da "Casa do Coelho".

"Casa do Coelho", obviamente, era Cunningham em grego. Muito esperto, professor Philip Cunningham!

- Apreciaríamos qualquer indicação que nos desse para onde o bom Phillipos foi, depois que saiu daqui - solicitei. - E quanto tempo faz isso.

Timotheos parou para pensar.

- Bem... faz umas duas luas - declarou. - E ele me disse que tinha assuntos a resolver em Anfípolis.

- No templo? - Questionou Nestor.

- Não; no palácio real - afirmou categoricamente Timotheos.

- Acho que é hora de seguir viagem - disse Nestor, tocando meu braço.

Fiz um aceno de concordância, mas ainda havia uma última coisa que eu precisava perguntar ao pastor:

- E como é o nome desta bela canção que você estava tocando?

- "Cheira a espírito adolescente" - disse Timotheos com orgulho.

Eu e Nestor aplaudimos com entusiasmo.

- [11-08-2023]